sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O caso do marido imaginário

" O CASO DO MARIDO IMAGINÁRIO "
(Por Stephanie Abbot)

Muitos casamentos que resistem a anos de alcoolismo ativo não conseguem sobreviver à sobriedade, porque depois que o alcoólatra para de beber descobrem-se incompatibilidades que no beber havia mascarado. O conjugue co-alcoólatra percebe que a nova personalidade do marido em nada se assemelha ao ideal imaginado. Assim, ela vê seu verdadeiro marido como se fosse um visitante passageiro, que logo será substituído pelo ideal imaginado. E continua vivendo uma vida sonhadora, da maneira que fazia quando o marido bebia.
Recentemente, por exemplo, uma cliente sentada na minha frente no consultório parecia quase eufórica quando começou a descrever sua vida com o marido. "É um pai maravilhoso e um ótimo marido, quando não está bêbado", disse ela. "As crianças o adoram e ele realmente me ouve, é gentil e se preocupa comigo."
Mas aí ela passou a descrever os particulares da situação em sua família: seu marido raramente se encontrava em casa porque passava a maior parte do seu tempo livre nos bares. E quando estava em casa, geralmente estava dormindo. Ela se havia adaptado a este comportamento, tomando conta de todos os afazeres de que o marido não conseguia de desincumbir, inclusive todas as obrigações de um pai.
Ao terminar sua história de como estava convivendo com seu "maravilhoso" marido alcoólatra, ela se inclinou para frente e disse: "Eu o amo. Temos um bom relacionamento quando ele está sóbrio. Jamais poderia deixá-lo porque não quero viver sem marido."
Fiquei fascinada porque me dei conta, enquanto ela falava, que a mulher havia criado um marido que não existia. O que ela tinha, na realidade, era um alcoólatra extremamente doente, mas havia criado a ilusão – para si mesma e para os outros – de um ser humano que funcionava. Na verdade, não havia marido algum nessa família. A mulher já vinha "vivendo sem marido" há muitos anos.
Toda vez que um membro de alguma família me diz que ama seu alcoólatra "quando está sóbrio", ou então que ama seu alcoólatra mas não consegue me dar uma única razão para explicar porquê, então eu sei que eles estão vivendo no Reino Mágico de suas imaginações.
O sistema pode se manter em equilíbrio por muito tempo – o bebedor na sua fantasia alcoólica e os outros membros da família nas suas próprias Disneylândias. Eles podem achar que a sobriedade resolverá todos os seus problemas. Mas a sobriedade – se vier – tem um efeito colateral inesperado: todos os sonhadores acordam!
Conversei recentemente com um marido zangado que havia marcado uma hora comigo para discutir o progresso pós-tratamento de sua esposa alcoólatra. Embora houvesse me contado antes que se ela pudesse apenas se manter sóbria não haveria problemas porque sempre se deram bem quando ela não bebia, agora ele me dizia: "A gente briga o tempo todo, ultimamente. E ela critica tudo que eu faço."
Para mim era uma história conhecida. Com freqüência, os alcoólatras são super charmosos durante seus curtos períodos de abstinência para "compensar" suas bebedeiras. Poderão não tomar parte ativa nas decisões da família, contentando-se em deixar que o conjugue faça as coisas à sua maneira, contanto que o beber não seja ameaçado. A esposa do meu cliente havia conseguido vários meses de sobriedade participando ativamente da Associação dos Alcoólatras e havia sido libertada do seu sentimento de culpa. Além disso, seu grupo de terapia a havia encorajado a defender seus pontos de vista ao invés de sempre ceder. Seu comportamento havia mudado bastante e o marido confuso não estava gostando desta "nova esposa". Mas, na realidade, esta era sua verdadeira personalidade. A esposa imaginária havia desaparecido para sempre.
O fim do beber é apenas o início da recuperação. Somente o primeiro dos Doze Passos da AA e AI-Anon se refere à bebida. Ainda restam onze por praticar. Os relacionamentos têm vida própria e, como os indivíduos, podem demorar para se restabelecer. Contudo, restabelecer-se-ão mesmo, se os envolvidos tiverem a coragem para tentar e o amor para perseverar. Quando partem as pessoas imaginárias, entram em cena pessoas reais.

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