sábado, 4 de fevereiro de 2012

Deus é Horizontal

Deus é Horizontal

"Se você quer saber qual a qualidade de meu relacionamento com Deus, pergunte qual a qualidade de meu relacionamento com as pessoas."

Acredito que existe algo além de mim. O mundo, o universo, a realidade que estava aqui antes de mim e que vai continuar depois de mim. Também não vejo o mundo como um relógio gradualmente perdendo a sua corda. Ao contrário, vejo o mundo como um relógio elétrico, ligado a uma fonte de energia e força que está constantemente se renovando, desenvolvendo-se e aperfeiçoando-se.

Não vejo a criação como algo que aconteceu no passado, nem vejo o futuro ou eternidade separados desse processo de criação. A criação é algo que está acontecendo aqui e agora. Somos co-criadores.

E qual é meu contato com essa força criadora que podemos chamar de energia, força, luz, Deus, Dharma, Alá, ou como quiser? Meu contato é com o produto, o resultado desse processo de criação. E qual é a obra de criação mais aperfeiçoada, mais magnífica? É o ser humano. Se quer saber qual é meu relacionamento com Deus, energia, força, luz, pergunte qual é meu relacionamento com o mundo em volta de mim, especialmente com as pessoas.

Deus é horizontal, não vertical. Espiritualidade é a qualidade de relacionamento com quem ou o que é mais importante na minha vida.

Meu contato com um Poder Superior, um Deus, é extremamente prático. É na segunda-feira, às oito horas da manhã no trânsito a caminho do trabalho e não necessariamente no domingo às dez horas na igreja. Espiritualidade é a maneira de viver neste mundo e não pode ser separada do atual processo de viver.

Às vezes me perguntam: Mas você é contra a religião? Claro que não! Ao contrário, vou à igreja quase todos os domingos. Vejo a religião como a capa de um livro, feita de couro bem trabalhada, gravada em ouro, que expressa os valores espirituais que estão contidos em suas páginas. Todos nós precisamos de rito, culto, tradição, cerimônia e metáfora para expressar nossos valores interiores, nossa vida espiritual. Seja qual for a ocasião, dia das mães, aniversário, Natal ou no almoço familiar tradicional, são eventos para expressar o que sentimos e acreditamos.

Ouvi falar de uma igreja na Califórnia que é totalmente vazia. Parece um copo de plástico virado de cabeça para baixo. A lição é simples. Nós não vamos à igreja para encontrar Deus, nós O levamos. A igreja não é um correio sagrado. Nós somos a igreja.

A espiritualidade não é uma finalidade em si ou um contato com a inconsciência, mas a maneira de viver neste mundo. É lamentável o que a igreja faz com os santos. Foram pessoas que tiveram grande coragem de viver. Então, os emasculamos e os colocamos num pedestal como exemplo de seres perfeitos, quando perfeição é uma ilusão. Nossa espiritualidade não é de perfeição, mas de imperfeição. O que temos em comum são nossas imperfeições.

Alcoólicos Anônimos tem muitos lemas ou aforismos que inicialmente parecem superficiais, como "Só por hoje", "Um dia de cada vez", "Viva e deixe viver", "Vá com calma", mas se pensarmos bem, são altamente espirituais e práticos.

Há muitos anos a palestra de um padre me marcou. Foi para um grupo de jovens, dentro de uma escola, os quais foram obrigados a assisti-la, naturalmente mostrando certa passividade perante o esperado "sermão". Porém, o padre começou a falar sobre a realidade. O que é a realidade e como a realidade aparece. Foi difícil, mas puxando o assunto para o mundo dos jovens, aos poucos ele os envolveu na discussão, relacionando a realidade à sua realidade da escola, com os namorados, os pais, a música, o mundo de hoje. Ele escreveu a palavra realidade no quadro negro quando outras palavras apareceram na discussão, que agora estava animada. Palavras como afirmação, relacionamento, autenticidade, apropriado, maravilha, espontâneo, entusiasmo, humor, carinho. Depois de algum tempo ele olhou para a lista escrita e disse que essas palavras eram boas para descrever realidade, mas que poderíamos inventar palavras mais apropriadas. De fato, historicamente, os povos inventaram palavras para descrever melhor a realidade. Por exemplo, chamavam realidade: Deus; afirmação: fé; relacionamento: alma; autenticidade: moral; apropriado: ética; maravilha: santo; espontâneo: graça; entusiasmo: espírito; carinho: amor. Só que com o tempo, as palavras inventadas começaram a se separar da realidade, viraram uma religião institucionalizada interessada em poder e que não tem nada com a realidade de hoje. Nossa meta é de dar sentido à nossa realidade, vivendo-a em plenitude, tornando-a assim sagrada, porque espiritualidade é a maneira de viver nesse mundo e não pode ser separada da atual maneira de viver.

(John B.)

VIVÊNCIA N° 76 - MAR/ABR. DE 2002.

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