quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Conforto Radical

CONFORTO RADICAL

"...começamos a nos submeter à maneira de viver de A.A., dia após dia, em tempo bom ou mau."

Há pouco tempo, num sábado, fiquei chocado ao visitar João, um velho amigo e companheiro de muitos anos em A.A. João tinha sido sempre um membro fiel às reuniões e dedicado a viver os Doze Passos de Recuperação. Por isso fiquei espantado por encontrá-lo entregue à cama. Sete meses atrás, fez uma cirurgia séria e não se levantou mais. Ele não me explicou a natureza dessa outra doença, mas senti que ele mesmo se convenceu de que "nunca mais" iria escapar da cama e desse aniquilamento. João sente-se confuso, desorientado e com uma profunda depressão que o leva a pensar em apertar o gatilho de um revólver.

Diante dessa situação, fomos conversando e tentamos aplicar os três primeiros Passos de A.A. à sua situação atual. Afinal, João está vivendo uma experiência de impotência total e absoluta, que inclui fraqueza, desorientação, incapacidade de sentar-se na cama e de alimentar-se sozinho. Está conhecendo, para além da impotência perante o álcool, a mais completa impotência perante a vida e a morte. Mas, em vez dessa experiência ser uma desgraça (como lhe pareceu a princípio), a verdade é que está se tornando uma graça de Deus - uma porta para o Segundo Passo.

Prostrado ali, no seu leito de dor, João está vindo a acreditar que um Poder Superior - o Deus da sobriedade, que por muitos anos já o libertou do alcoolismo - esse Poder Superior à fraqueza, à morte, à depressão e ao desespero - pode sim devolvê-lo à sanidade. Talvez não recupere mais a saúde do corpo abatido, mas é possível, sim, recuperá-la nos pensamentos e nas emoções!

Assim, em vez de pensar que é um "coitado", "esquecido" ou "castigado" por Deus, João pode lembrar-se do que já sabe pelos seus longos anos de A.A.: que esse Deus da sobriedade nunca se esquece de ninguém e é também Deus de misericórdia - o Deus amantíssimo da Segunda Tradição - que só perdoa e ama e faz tudo concorrer para o bem dos que Nele confiam.

E foi desse modo que eu e João, dois velhos amigos e companheiros de A.A., chegamos junto ao Terceiro Passo. Assim como, anos atrás, nós dois conseguimos aceitar nosso alcoolismo e nossa necessidade de A.A., chegamos a aceitar nossa total impotência perante a vida e a morte, e celebramos juntos o Terceiro Passo: decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados do Deus da sobriedade!

Eu sou mais velho do que João e imagino que não está longe o dia de eu também me encontrar, talvez, preso numa cama. Contanto que eu não esteja mais preso à garrafa e com meus horizontes reduzidos ao tamanho de um copo, quero seguir o exemplo de A.A. que conheço no João. Quero, como ele, estar pronto para praticar os Passos Um, Dois e Três de maneira radical.

Em 1984, quando descobri que tinha um câncer de bexiga, comecei a me desesperar. Mas o Poder Superior enviou-me um companheiro de A.A. que é médico e que me acalmou com duas frases: "Nosso Poder Superior já está nos salvando da terceira doença que mais mata. Será que Ele não vai cuidar desse problema???". Esse companheiro me ajudou a agarrar a sabedoria de A.A. contida no Terceiro Passo, e só por hoje!

Por isso confio que, chegando à minha última experiência de impotência, terei a graça de celebrar os primeiros três Passos de A.A. de maneira radical.

(Pe. Guilherme, Curitiba/PR)

Vivência 71 - Maio/Jun 2001

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