sábado, 14 de janeiro de 2012

A Síndrome do Afastamento Progressivo

"A SÍNDROME DO AFASTAMENTO PROGRESSIVO"

A filosofia de A.A. "é baseada em três aspectos: nossa experiência pessoal, os princípios espirituais comuns a todas as religiões e os preceitos científicos da medicina. Isto todo membro de" A.A. "sabe. Mas é importante fazermos com que essa experiência, um dos pilares de nossa filosofia, não se limite apenas à lembrança do passado, aquele passado terrível que levou muitos de nós até às portas do inferno. Experiência de vida é um processo continuado, e Viver é quase sinônimo de Aprender".
Sob esse aspecto, uma sala de "A.A." é uma fonte inesgotável de aprendizado, para aquele que sabe fazer seu programa com "olhos de ver, e ouvidos de ouvir". Acompanhar os progressos companheiros, sentir a alegria de suas vitórias, e compartilhar a dor de seus fracassos, e a melhor maneira de assegurar para nós mesmos uma tranqüila sobriedade. Até mesmo aqueles que se desviam do caminho certo, e enveredam pela trilha que os levará de volta ao copo, estão de certa forma, nos ajudando, pois como diz um experiente companheiro nosso, `no A.A. não existe ninguém tão ruim que não sirva ao menos para ser um mau exemplo ". Com estes, aprendemos aquilo que deveremos evitar".
Vejamos o caso de um hipotético companheiro, que vamos chamar de João das Couves. Ele chegou ao A.A. como muitos de nós chegamos. Trêmulo, inseguro, cheio de problemas, não acreditava em si mesmo, nem nos homens, e, principalmente, não acreditava em Deus. Logo na primeira reunião, João teve uma surpresa:
Aqueles homens e mulheres pareciam saber exatamente o que se passava com ele. As coisas de que falavam eram velhas conhecidas; os problemas, ele os tinha enfrentado, ou melhor, fugido deles, de igual forma. Logo, uma certeza acalentadora se instalava em seu coração: já não estava só.
Não foi preciso muito tempo para João se transformar em um entusiasta. Não faltava as reuniões. Fazia café, limpava cinzeiros. Brilhava nas temáticas: sabia de cor trechos inteiros do Livro Azul e dos Passos. Era um incentivador dos novatos, fazia abordagens, e, sempre atento era o primeiro a levar uma palavra de conforto a um companheiro que tivesse um problema. Coordenava, secretariava, enfim, era infatigável.
O tempo ia passando, e as fichas foram se acumulando. Azul, rosa, vermelha. Aquela maravilhosa ficha verde, gravada, o símbolo de "A.A." compartilhar a dor de seus fracassos, e a melhor brilhando em ouro na outra face.
Dois anos, pensava João. Dois anos afastado da garrafa era coisa pra deixar qualquer um orgulhoso.
E João fazia uma retrospectiva de sua vida, desde aquele dia tão distante do ingresso. Sua situação financeira havia melhorado bastante. O patrão dava tapinhas em suas costas, que diferença daquele tempo. E a santa esposa, então? Pois não é que ela estava fazendo, aos domingos, o seu prato predileto? E havia ainda os meninos. Sim, ele precisava pensar mais no 9º Passo. "Fizemos reparações diretas...".
João passou a fazer serão no trabalho, O patrão era um sujeito excelente, merecia. Assistir à novela das oito era quase uma obrigação. Bolas, o convívio com a família é uma coisa muito importante. E o Maracanã? As crianças adoravam ir ao jogo com ele. Realmente, ele necessitava dar mais atenção à sua vida afetiva.
As aparições de João em seu Grupo começaram a rarear. Já não conhecia a todos, havia sempre algumas caras novas. E as mensagens? Aquelas reuniões estavam realmente ficando muito chatas.
Hoje em dia a bebida já não me diz mais nada! "Vociferava ele, com a mesma convicção com que antigamente repetia: bebo com meu dinheiro, e ninguém tem nada com isso" Ou então: "Bebo quando quero e paro quando quero!"
Tal qual uma bússola, cuja agulha aponta constantemente para o Norte, a mente de um alcoólatra está sempre voltada para a bebida. Se quisermos desviar a agulha de sua direção, temos de aproximar dela um imã. Assim, também a proximidade de uma sala de "A.A." desvia o nosso pensamento do álcool. Na mesma medida em que a agulha tende a voltar a apontar o Norte, se dela afastamos o ímã, nossa mente tende a se voltar para o álcool, se nos afastamos da sala. E João não podia fugir à regra.
Suas palavras, na chamada "cabeceira de mesa", começaram a ficar vazia de conteúdo. A maneira de viver de A.A. começava a abandoná-lo. Cada vez que aparecia, e isto a intervalos cada vez maiores, ele se revelava mais crítico e agressivo. Seus velhos companheiros tentavam alertá-lo, mas em vão. "Que têm esses fanáticos a me ensinarem?".
Logo a mim! Que é que esses caras estão pensando'?"- resmungava ele".
Há um ponto, nesse tipo de queda espiritual, a partir do qual qualquer coisa que se diga, qualquer auxilio que tente prestar à pessoa, que se deixou vitimar por ela, age sempre de maneira diametralmente oposta ao pretendido. A medida em que a mente se esvazia dos princípios espirituais de A.A, ela começa a se encher daquilo que antes nos levava aos goles. A egolatria, a arrogância, a insegurança e o medo, vão insensivelmente substituindo o companheirismo, a confiança serena, a alegre camaradagem que antes nos tornava fortes. E ficamos cada dia mais desamparados à tentação do álcool.
E um belo dia, um João das Couves confuso, amarrotado, derrotado, voltava à sua sala para confessar que, não sabia porque, havia bebido.
Prezados companheiros, quantos João das Couves você já conheceu?

Companheiro Cristiano F.

(Fonte: Boletim Unidade Set. / Out. 2002)

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