sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Dividendos espirituais do anonimato

" DIVIDENDOS ESPIRITUAIS DO ANONIMATO "

(Este artigo foi publicado na Revista "EL MENSAJE" de abril de 1977 e seu autor não está identificado).
Consta da publicação que o escritor é uma pessoa não-alcoólica, especializada no estudo do alcoolismo, e que crê que o anonimato também é bom para a sua alma.

No artigo que Bill escreveu para a Revista Grapevine "Por que Alcoólicos Anônimos é Anônimo?", é destacado o valor do anonimato corno proteção e segurança para o grupo, em letras suficientemente grandes que permitem até a um cego enxergá-las. No artigo é dada ênfase à importância do anonimato para a sobrevivência e contínua efetividade de A.A. Igualmente interessantes para mim foram as sugestões que se encontram disseminadas nesse artigo mostrando que o anonimato não é apólice ordinária de seguros, mas uma garantia de que paga dividendos adicionais — tanto na área pessoal quanto na espiritual.
Quais são esses dividendos adicionais?
São muitos. Mas, na minha opinião, um deles está acima dos demais. Ele é a remoção da tentação de conceder nutrição ao ego moribundo, devolvendo-lhe vida. Vejamos isso mais detalhadamente.
Há entre meus colegas profissionais um importante consenso, tanto quanto como ocorre entre os membros de AA., sobre os problemas emocionais quando se chega ao fundo de poço no alcoolismo. As raízes mais profundas são apontadas como insegurança ou ansiedade, quer dizer a sensação de se sentir inadequado, inferior, ou indigno, o que conduz à sensação de ameaça a autoestima. Acredita-se que tais raízes se aprofundaram na infância.
Tomaria muitas páginas para fazer-se justiça a este ponto de vista, mas permita-me condensar esta idéia numas poucas frases.
Crê-se, para começar, que a fé em si mesmo e a fé na vida são resultado de uma profunda sensação interior de segurança e estima. Porém, nenhuma criança escapa às experiências que lhe proporcionam algum grau de insegurança emocional (atitudes que as pessoas tomam fazendo-a sentir-se ferida, enraivecida, inadequada, temerosa ou solitária). Algumas crianças podem tornar-se muito inseguras; outras, não tanto.
Muito bem, a criança se verá motivada para sobrepor-se a estas sensações penosas no mesmo grau em que esta insegurança foi produzida. Neste ponto aprenderá a construir urna sensação substituta para a segurança e estima relacionando-se com outras pessoas de diferentes formas. Experimentando e errando, na primeira situação familiar descobre as maneiras pelas quais pode sentir-se menos ansiosa, menos ameaçada, menos só e menos indigna. Pode aprender que se comportando de algumas formas que atraem atenção e apreciação (convertendo-se em uma "estrela") pode sentir que de todas as maneiras é alguém, e ganhar, assim, um alívio temporal para sua profunda sensação de que realmente não tem muito valor. Ou, talvez, descubra que se sente menos ameaçada quando manipula e controla as pessoas que a rodeiam, ou seja que a melhor defesa é uma boa ofensiva. Se é menos senhora de si mesma, pode ganhar segurança própria apoiando-se em outros ou uma falsa segurança criando uma envoltura de reserva a seu derredor.
Qualquer estilo de conduta que pareça funcionar no sentido de fazê-la sentir-se menos insegura ou menos indigna tem a tendência de continuar. Sim, é assim, pouco a pouco irá se infiltrando na personalidade. Quando chega à idade adulta, a pessoa ainda será manejada inconscientemente para repetir os padrões de conduta que pareciam dar-lhe autoestima e segurança que necessitava nos dias de criança.
Tal parece ser o processo dinâmico que, em pessoas mais agressivas, produz as compulsões do "Grande Eu": busca de atenção, de valorização e de prestígio pessoal, ou do poder para controlar e manejar as pessoas que as conduzam a uma posição de destaque, ao dinheiro, ou qualquer outra coisa que sirva para demonstrar de que elas realmente são personagens importantes.
Não é que os alcoólicos se comportem dessa forma muito mais do que qualquer outra pessoa normal. Estes padrões propulsores do ego são encontrados em toda a humanidade. Nossa sociedade praticamente no-las ensinam. Mas não importa que tão corriqueiros e comuns sejam, permanece o problema de que não eliminam a insegurança e por isso tais formas de comportamento não reduzem realmente a ansiedade. E o que é pior, criam-se novas tensões.
O que sucede então se uma pessoa não puder encontrar uma maneira de reduzir suas ansiedades que o levam à tensão (por exemplo, através de uma modificação nas atitudes), e se não aprendeu suficientes maneiras saudáveis de aliviar temporalmente suas tensões através de atividades tais com um hobby, jogos, atividade social, música, oração, etc.? Ver-se-á impulsado a buscar alívio dessas tensões de forma negativa. É assim que algumas pessoas encontram esse alívio no álcool.
Entretanto, os não-alcoólicos também encontram maneiras negativas. Alguns comem demasiadamente, ou trabalham demasiado, ou impulsionam demasiado sua vida. Alguns praticam a promiscuidade sexual, ou buscam o jogo, ou as drogas. Outros conseguem manter-se vivendo agitados, elétricos. etc. Outros deterioram seus corpos através das enfermidades psicossomáticas. Outros deterioram suas relações sendo extremamente possessivos. Existem muitas formas. O uso do álcool para aliviar as tensões produzidas por estes padrões substitutos é uma dessas maneiras. Mas, a mais comum, e talvez a razão pela qual isto ocorre com tantas pessoas hoje em dia, é simplesmente porque parece ser efetiva, durante algum tempo. Contudo, pode ser fatal, como muito bem sabem os alcoólicos.
O programa de A.A. funciona de forma tão efetiva, creio eu, porque coloca seu dedo na personalidade subjacente e exige a boa vontade para modificá-la. E esta a atitude de entregar a vontade e a vida a Deus, "tal corno nós O concebemos". Quer dizer, descartam-se os antigos padrões para obter uma sensação substituta de segurança e ubiquação. Em seu lugar, o membro de A.A. aprende uma nova forma de vida que lhe proporciona o real.
Em resumo, A.A. ensina que abandonando o antigo ego, a pessoa se capacita para encontrar sua verdadeira personalidade (perdendo-se a si mesmo se encontra a si mesmo). O programa de A.A. ajuda a pessoa a deixar de lado as antigas maneiras insatisfatórias e a ajuda a desenvolver uma nova forma de vida que proporciona genuína segurança e uma sensação válida de estima própria. É esta é uma maneira que requer que o álcool não intervenha, porque sintoniza a pessoa em sua vida exatamente como a pessoa deve ser sintonizada; porque he proporciona os sentimentos e ralações que verdadeiramente a satisfazem, com valores espirituais.
Mas todos os membros de A.A. sabem, tal como minha experiência pessoal com a modificação tem me ensinado, que o antigo ego não se rende facilmente. Permita-me personificar e dizer que o antigo ego é como um mendigo ignorante e persistente. Quando o lançamos fora da porta dianteira, se introduz pela porta traseira. Despedimo-lo novamente, e ele voltará disfarçado com racionalizações, seguramente ainda mais engenhosas. As mais engenhosas de todas são os disfarces que o fazem parecer um novo ego. Por exemplo, se o poder e o controle das pessoas têm sido fatores importantes, se mascarará buscando "manejar as coisas para o bem do grupo", mas aí está uma outra vez manejando as coisas.
As Tradições de A.A. acerca dos comitês rotativos, de que não existem autoridades, e o espírito de serviço, foi introduzido para golpear-lhe este antigo desejo de poder e controle.
De forma similar, o anonimato dá um basta ao antigo padrão da "estrela". Se o alimento do antigo ego consistia no reconhecimento e no aplauso, não permitirá facilmente que lhe neguem esta nutrição. Novamente, seu truque engenhoso será o "bem do grupo". Ilude ao membro para fazê-lo acreditar que não há nada de errado sempre e quando seja para o bem do grupo. Em realidade, aqueles que prestam serviços são exatamente o que o grupo necessita. Que venham a nós todos os interessados! Antes de nos darmos conta, a publicidade pessoal e o trabalho do Décimo Segundo Passo são praticamente sinônimos. E não importa que tão atrativamente se disfarcem, ainda formam parte do antigo ego. a velha busca de segurança através do reconhecimento e do prestígio. E, assim, deveria ser muito claro que qualquer iniciativa na direção dessa antiga compulsão pode reviver facilmente o antigo padrão com seu antigo vigor, e com resultados desastrosos.
Visto deste ângulo, o anonimato é, então, uma política espiritual que objetiva "não deixar ressurgir" os antigos aspectos de "estrela" do velho ego.
Tudo isto, por conseguinte, se enlaça com o Terceiro Passo. De fato, a aceitação do anonimato é a parte importante deste Terceiro Passo. Conquanto subsista uma certa inquietação quanto ao abandono do desejo de ganhar honras através de A.A., o processo do abandono é obviamente incompleto. A boa vontade para renunciar a toda idéia de utilizar a afiliação com A.A. para ganhar reconhecimento e atenção, constitui, por conseqüência, uma boa prova da medida em foi aceito o Terceiro Passo.
E a profundidade da aceitação do Terceiro Passo é uma necessidade crucial! Tal como vejo, todo o programa de A.A. se baseia na premissa de que o antigo padrão do ego deve se ir se desejamos que cresça e prospere uma nova forma de personalidade livre do álcool.
Ê claro que antes de A.A. o prestígio parecia algo bom para nós. Assim ocorreu com outros valores como o poder, a importância social e demais símbolos de "êxito". Mas sem importar o bom sabor daquelas comidas, permanece o fato de que eram substitutos pobres e pouco nutritivos. Nenhum deles satisfazia a fome real, a fome do espírito por uma relação satisfatória e cordial com todas as pessoas e com a vida. A solução de A.A. é estabelecer a real necessidade. Quando satisfeita, não há porque existir qualquer desejo de prestígio ou de nenhum outro nutriente do antigo ego.
Em minha opinião, é isto o que faz o programa de A.A.: Conduz o alcoólico a uma forma de vida que satisfaça suas necessidades reais, O programa não só exige a eliminação do álcool (por meio do qual o alcoólico procurou sobrepor-se às deficiências de sua antiga dieta espiritual), como também pede o abandono dos nutrientes substitutos com os quais tratou em vão de alimentar seu espírito. O programa de AA. me parece, se baseia na suposição psicológica ou espiritual de que para afastar-se da garrafa é necessário também abandonar os nutrientes substitutos espirituais, como o prestígio, e substituí-los com uma dieta adequada. E a dieta que preenche realmente nossas necessidades, e que satisfaça plenamente nosso espírito, consiste na relação positiva e cordial, de todo coração, com outras pessoas, com nosso trabalho, com a vida, e com Deus.

Extraído, também, da Revista "EL MENSAJE":
«Aqueles que adotam a eletricidade como seu poder superior termina freqüentemente necessitando tratamentos de choques elétricos."

Tradução: Edson H.

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