sábado, 22 de outubro de 2011

Uma disciplina diária

UMA DISCIPLINA DIÁRIA

"Os últimos três Passos do Programa invocam a disciplina amorosa de Deus sobre a minha natureza obstinada".

A disciplina é um hábito interno que facilita a cada pessoa o cumprimento de suas obrigações, é um autodomínio, é a capacidade de utilizar a liberdade pessoal, isto é, a possibilidade de atuar livremente superando os condicionamentos internos ou externos que se apresentam na vida cotidiana.

A disciplina não é um fardo, mas uma virtude necessária em todos os momentos de nossa vida cotidiana.

Quando ingressei nesta maravilhosa Irmandade que literalmente salvou a minha vida, estava num tremendo fundo de poço. Doente, hospitalizado, desnutrido, desidratado, com as necessidades fisiológicas cheias de sangue e, conseqüentemente, no começo do fim.

Não foi sorte, foi pela graça de um Poder Superior, Deus amantíssimo como concebo, que surgiu uma mão amiga e tive a felicidade de agarrá-la com as forças que ainda me restavam.

Toda essa situação começou quando nasci, pois, fui um dos escolhidos para ser incompatível com o álcool. Entretanto, começou a piorar aos 34 anos de idade, quando obtive a graduação universitária, muito embora gostasse de bebericar nos finais de semana.

Com o "canudo" na mão, não havia necessidade de evitar o álcool para não atrapalhar os estudos. Passei, então, a fazer parte do time dos bebedores habituais, sendo que, pouco a pouco fui me entregando aos devaneios do álcool até me tornar um dos súditos da sua majestade.

Nessa época era metalúrgico e a empresa, instalada num pólo industrial, exigia que levantasse cedo e fizesse uso de ônibus de afretamento tanto para a ida como para a volta do serviço. Que martírio! Não tinha como beber! Entretanto, quando chegava em casa... sai da frente!

Com o passar do tempo, o volume do álcool foi aumentando e, paralelamente, ainda não afetado totalmente, fui galgando novos cargos, agora de comando, o que me obrigava a fazer reuniões diárias no início da jornada a fim de planejar o dia. Era um desastre. Que ressaca! Tinha que me manter meio afastado para não sentirem o "bafo de onça".

Não foram poucas as vezes que tive de fazer uso do meu carro para ir ao serviço devido aos constantes desarranjos intestinais. Mas o organismo ainda resistia.

Como comecei a trabalhar ainda menor de idade e o meu tempo nas indústrias foi em área insalubre, tive o privilégio de me aposentar precocemente, privilégio esse que não soube aproveitar para viver a vida ou, quem sabe, tentar melhorar o orçamento familiar.

Não, não aproveitei nada, pois, "amarrei meu burro na sombra" e passei a beber mais e mais. Não tinha que dar satisfação a ninguém, não precisava levantar cedo, tinha uma aposentaria razoável, para que esquentar.. .

Não foi fácil. Foi um desastre total. Quanta mazela, quanta falta de respeito por mim e pelos outros. Foi lamentável. O meu consumo de álcool era tão desmedido que cheguei a uma sarjeta física dentro da minha própria casa. Brigava com minha esposa e ia dormir no fundo de casa junto com o álcool e os insetos noturnos. Daí para as internações hospitalares foi um passo curto. O meu organismo, já por um fio, foi premiado com uma cirrose a ponto dos médicos falarem que, talvez, o quadro pudesse ser revertido se parasse de beber e foi quando a mão amiga surgiu.

No início da caminhada, rumo à sobriedade, não foi fácil ficar sem combustível. Já com 15 dias de abstenção o corpo estava desinchando e o apetite também ia melhorando. A vontade de beber ainda era forte, mas a boa vontade era maior.

Até então, estava somente no 1° Passo, lendo muito o "Viver Sóbrio" e absorvendo os depoimentos dos companheiros diariamente no meu Grupo ou em outros que visitava, pois foi assim que o meu padrinho me orientou sabiamente para lavar a minha alma alcoólica.

O gosto pela literatura de A.A. surgiu com a minha perseverança, boa vontade e disciplina para me manter abstêmio e aumentar minha espiritualidade.

Fazendo o 1° Passo 100%, passei, lentamente, a ler, reler e praticar os demais Passos.

Tive muita ajuda dos velhos mentores para melhor interpretar a mensagem de cada Passo.

Os últimos três Passos do programa invocam a disciplina amorosa de Deus sobre a minha natureza obstinada.

Passei a dedicar alguns momentos toda noite para uma revisão dos pontos mais importantes do meu dia. Reconheci aspectos meus que não me agradavam muito e fui ganhando uma história pessoal de mim mesmo, uma história que é essencial à minha caminhada para o auto-conhecimento.

A meditação e a oração têm me ensinado a concentrar-me; é quando eu rezo pedindo orientação do Poder Superior.

A disciplina é a virtude que me torna discípulo de mim mesmo. É a disposição de ânimo que me dá condições de aceitar as sugestões do Programa de A.A. e ser fiel a ele encarando qualquer coisa, sem pensar na bebida.

O que aconteceu comigo foi um milagre? Não, não foi um milagre; foi e tem sido a boa vontade de viver a vida, a disponibilidade de transformação e o cuidado na manutenção de tudo que tenho aprendido e exercido em A.A.

Hoje eu sei o que fiz para merecer isso e é o que passo sistematicamente aos mais novos na Irmandade.

As oportunidades? Quem sabe? As melhorias econômicas, eventuais negócios, hoje são águas passadas que, talvez, não voltem mais, mas, de uma coisa estou certo: resgatei minha família, minha dignidade a ponto de ter adquirido mais filhos (meus genros) e uma "pá" de netos que adoro.

Por uma questão de gratidão o 12° Passo faz parte do meu cotidiano. Por que não levar a mensagem àquele que ainda sofre como eu soma?

Não tenho vocação para santo. Só tento através do inventário-relâmpago, da prece e da meditação, organizar minha alma para ser sereno e feliz na rotina do dia-a-dia; ser um indivíduo normal e integrado na sociedade.

Anônimo/Santos

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