sexta-feira, 23 de março de 2012

Trabalhando a Tolerância

Trabalhando a Tolerância

Assim que entrei numa sala de reunião de A.A., reconheci minha condição de alcoólico, disse "sim" e fiquei no Grupo.

Mais tarde, a caminho de completar quatro anos de abstinência, esgotou-se a minha tolerância para ouvir depoimentos tão diferentes do meu e para não beber.

Tolerância era o meu forte, mas aceitar as reclamações em casa porque eu bebia, isso não. Também não conseguia aceitar os absurdos praticados por quase todo alcoólico na ativa, mas ia "tolerando" tudo e todos.

Todos diziam que eu era um "exemplo" de aceitação e eu mesmo pensava assim. O resultado foi a volta ao copo, porque eu não tinha aceitado nem a mim mesmo...

Na verdade, eu confundia tolerância com aceitação. Admitia ser alcoólico, mas isso foi fácil para mim, afinal, eu não cheguei a Alcoólicos Anônimos?

Difícil foi aceitar que perdi para o álcool. Aceitar verdadeiramente a derrota. Foi preciso que eu ficasse pronto para que um Poder Superior atuasse sobre, dentro e por mim.

E o que é "ficar pronto"?

No meu caso, foi reconhecer em primeiro plano a autenticidade da derrota, o que é o mesmo que aceitação. Diante dessa derrota, passei a aceitar plenamente a minha condição de alcoólico, com todas as implicações trazidas pelo meu passado.

Comecei a perceber a diferença entre tolerância e aceitação tomando o cuidado de não me deixar levar pelo comodismo, uma armadilha que se faz passar por aceitação.

Vi que são muitas as aceitações às quais somos submetidos na caminhada da recuperação.

A cada Passo é preciso verificar se estou sendo apenas tolerante, se não estou ficando revoltado diante das adversidades da vida e se a aceitação não virou comodismo.

No percurso que iniciei há dez anos com o Primeiro Passo, despertei para outras aceitações: - ser cobrado em casa por meu passado, divergências entre minha esposa e outros familiares, expressões grosseiras com as quais ela se referia a eles, mesmo na ausência deles, e que muito me machucavam... tudo isso, eu já sabia, seria superado com o tempo e com o exemplo.

Percebendo que eu não me aborrecia mais com aquelas situações criadas pelo meu alcoolismo ela buscou no Al-Anon o seu próprio espaço.

Cobranças e divergências tomaram-se coisas do passado. Já podemos dizer que existe aceitação de ambas as partes.

Havia outra coisa que me deixava revoltado: o pouco que eu ganhava pelo meu trabalho profissional. Hoje é menos ainda, mas eu já sei me conduzir, pela graça de Deus, com esperança em dias melhores.

Enfim, não sou mais aquele "tolerante" interiormente revoltado e que vivia se machucando. Aceitei a minha condição de alcoólico, os dissabores do relacionamento no início da recuperação, tanto em casa quanto com os companheiros.

Aceito sem comodismo as necessidades de hoje, porque acredito que o melhor está por vir. Sei que há muito a alcançar e que a tolerância também é necessária, pois tolerar é admitir e respeitar outras opiniões (enquanto aceitar é receber de bom grado).

A tolerância é externa ao coração. Ela sempre faz bem ao nosso semelhante, mas nem sempre traz o nosso tão sonhado bem-estar.

A aceitação é interna, parece vir de dentro do coração.

Que um Poder Superior possa sempre nos trazer a aceitação necessária a mais vinte e quatro horas de sobriedade.

Vivência 62 - Nov/Dez 1999

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