quinta-feira, 15 de março de 2012

Terceira Tradição

" TERCEIRA TRADIÇÃO "

Por B.L., Manhattam, N. Y
O único requisito para ser membro de A.A. é o querer deixar de beber"

O AUTOR EXPRESSA:
"As Doze Tradições em minha experiência, têm sido vitais para conservar-me sóbrio, e também têm sido úteis em todos os meus assuntos".
(Este artigo foi publicado originalmente na Revista Grapevine e republicado na Revista "EL MENSAJE" de março de 1974)

Ninguém procurou medir a sinceridade ou a qualidade de minha motivação para me recuperar quando, pela primeira vez, transpus o umbral de A.A. Nossa Terceira Tradição está fundamentada na experiência de grupo, e sua sabedoria tem sido realmente demonstrada em minha experiência pessoal. É uma arma poderosa para salvaguardar minha própria recuperação.

Quando pela primeira vez busquei A.A., faz uns 25 anos, não podia cumprir quase nenhum dos requisitos necessários para afiliar-me a qualquer agrupamento decente. Nos meses precedentes, havia estado apenas embriagado, e tomado por uma angústia que poucos, fora os alcoólicos, podem compreender. Não poderia preencher qualquer questionário ou requerimento. Não tinha endereço, pois carecia de domicílio, nem telefone, nem referências. Meus últimos patrões haviam advertido a todos para que não me permitissem cruzar sua porta. Minha família fizera o mesmo. Não tinha religião, nem emprego, nem mesmo roupa — além da que vestia. Não poderia pagar um único centavo, se esse fosse o preço. Face minha conduta passada, não tinha como comprovar que merecia algum tipo de atenção ou ajuda. Estava sujo e maltrapilho. Tinha tão somente uma doença sumamente indesejável para oferecer a Alcoólicos Anônimos, e isto era a única coisa que o A.A. me pediu.

Estava tão gelado interiormente, tão deserto e entorpecido que, conquanto não tivesse abrigo, não notava o cruel clima invernal nesse dia de janeiro quando pela primeira vez entrei, como um morto em vida, no velho clube de Nova Iorque. Não podia controlar aqueles tremores, simulava que eram gestos deliberados, se bem que horríveis. Minha boca esta pastosa; não havia bebido um trago há aproximadamente 36 horas. Sabia, por tenebrosa experiência, que tinha que me agüentar mais um minuto; fazer com que minhas pernas dessem mais um passo; procurar pensar em algum momento feliz de minha vida (ou inventário); reforçar minha vontade uma vez mais, para depois tomar uma, depois de haver constatado de que se tratava deste assunto em Alcoólicos Anônimos. Ou, misericordiosamente, talvez morrer de repente. Não tinha forças para pedir ajuda. Estava assumindo este perigoso risco — aproximar-me de estranhos que, segundo me haviam dito, não perguntavam nomes e haviam sido também bêbados. Eu queria observar sem ser observado.

Conquanto eu não soubesse o que esperar, fui preparado para mentir, naturalmente. Tinha que estar. Se alguém me perguntasse se bebia muito, mentiria: A quantidade não tinha relação com a pessoa em que me tomara ou com o que fazia. Se me perguntassem o que iria fazer para conseguir um trago, teria que mentir, porque se dissesse a verdade seguramente seria castigado. Se me perguntassem como me comportava quando em estado de embriaguez, teria que mentir, em parte para que não viessem a saber que eu tinha lacunas mentais, e em parte para esconder pequenos pedaços da vergonhosa verdade que recordava.
Como isto ocorreu em 1945, antes que fosse escrita nossa Terceira Tradição, a alcoólica anônima que contatou comigo pela primeira vez não tinha uma guia de orientação escrita para decidir a quem se poderia admitir em A.A. para oferecer-lhe ajuda. Mas tinha compaixão.

Não começou perguntando abruptamente: "Você é um alcoólico?" Se tivesse feito, eu teria respondido, com a minha habitual indiferença: "Claro que não." Tampouco me perguntou: "Você quer deixar de beber?" Em meu estado, a pergunta pareceria absurda e estúpida. Justamente o que eu desejava e mais necessitava no mundo naquele momento era um trago forte.
Mas tinha medo de bebê-lo, fato que fixou meus pés dentro das portas do velho edifício tendo por intenção encenar.
Porém, ela me viu espreitando ao derredor, e, com voz natural, me perguntou: "Está tendo problemas com a bebida?" Fiquei estupefato. Era justamente a pergunta para a qual não havia preparado ma mentira. Antes de dar-me conta do que estava sucedendo, disse-lhe a verdade. Admiti.
"Pois bem, eu também sou uma alcoólica", disse-me. "Entre e conversemos sobre o assunto".

Falava com facilidade, sem demonstrar emoção. Eu cria quê para mim já não haveria qualquer surpresa, não podia fazer outra coisa além de olhar sem acreditar no que via. Ela parecia tão serena, tão contente, tão limpa e respeitável. Como podia ela dizer que era uma alcoólatra. Sentamo-nos e começou o meu aprendizado. Não fiz nenhuma pergunta, e em conseqüência, não tive que ser cauteloso e nem estar alerta; Podia ouvir com total e intensa atenção. Falou-me sobre sua doença, o alcoolismo, e sobre sua recuperação em A.A. Isso foi para mim um alívio maior, mais agradável, que qualquer trago que tivesse chegado a beber. Talvez minha cara tenha permanecido congelada, mas meu coração se derreteu, e tinha que assoar o nariz constantemente.

Temendo a resposta, não me animava a perguntar aquilo que meu coração pedia: "Me permitirão, por favor, ingressar?" Sabia que não o merecia e, por isso, procurei parecer casual quando murmurei: "Como pode alguém ingressar?" Ela me respondeu que o mero fato de estar ali significava que eu desejava ajuda, e que se eu queria ser membro de A.A., então já era.

Espero nunca esquecer a sensação de alívio que essas palavras me deram. Especialmente, devo recordá-las quando me incomoda a chegada de "sujeitos impróprios» que às vezes se intrometem nos dias de reuniões de A.A., limpos, agradáveis, sóbrios, ordenados. Um grupo nas cercanias de minha casa "proibiu" a entrada a dois alcoólicos. São tipos impossíveis, disseram-me, totalmente indesejáveis.

Talvez aqueles membros que desejariam elaborar as regras para afiliação em A.A. agora, ou ser os guardiões de seus locais, sejam indivíduos em cuja vida de bebedeira fossem virtuosos a tal grau que os torne merecedores do privilégio de poder dar assistência ao A.A. Mas nenhum dos membros que conheço reclama tais méritos, e sei que eu não posso fazê-lo. Como podem ver, agora sou tão intolerante com os elaboradores de regulamentos, como eles são com os doentes alcoólicos que consideram indesejáveis.

Eu não tomava parte rias exclusões, mas durante os meus primeiros dias em A.A. vi o cabeça da matilha que apedrejava um alcoólico até tirá-lo do lugar onde poderia ter encontrado ajuda. Tínhamos muitas regras de ingresso naquela época. Era um estorvo porque havia que modificá-las quase semanalmente tendo por objetivo não permitir a entrada dos "indesejáveis" e receber somente os "corretos". Algumas vezes, o sargento guardião desta semana acabava sendo excluído na semana seguinte porque chegara bêbado. EU.

È impensável que tanta gente maravilhosa, incluindo os não-conformistas, os excêntricos, e os dementes, que formam tão verdadeiro aporte a nossa quantidade, tivessem saído de A.A. se impuséssemos algumas exigências para que se tornassem membros, distintas do desejo de recuperarem-se.

Muito embora agora reconheça que ê impossível julgar o conteúdo do coração de uma pessoa, e seria arrogância tentá-lo, às vezes ainda o faço. Tenho me escutado ao telefone, julgando se os solicitantes são dignos de nossa ajuda e se merecem o nosso amor.
Até cheguei a fazer a um bêbado uma pergunta tão horrível como: "Realmente deseja deixar a bebida para o resto da vida?" Ou, "Você já teve contato anteriormente com o A Como se o haver sido membro anteriormente fosse um requisito para admissão, ou, talvez, motivo de desqualificação. Ou, "que tipo de drogas você usa?"Também tendo sido impaciente com os recaídos, esquecendo-me de que esta bebedeira poderia se sua última, como o foi uma das minhas (até hoje)".

De fato, somente agora me decidi que não me importa a brusca e hipócrita impressão que de A.A. faz fulano; nem quero concordar com aquele fanático tão rude em questões espirituais; nem me permito engolir aquela piedade fingida de outros membros de A.A. Temo que do coração estou rechaçando a qualquer um que não se adapte aos meus elevados e poderosos requisitos de associação. È como se cada vez que desdenho um alcoólico por qualquer razão, acrescente um tijolo a mais no muro que resguarda a minha recuperação, ou que pelo menos a mantém tíbia e cômoda para mim. E se continuo adicionando tijolos de exclusão em meu muro de segurança, vocês já sabem onde irei parar: separado dentro dos muros que construí; de regresso para onde estava antes de A.A. A solidão.

Uma das primeiras pessoas com quem estabeleci contato, me sugeriu mais tarde, que podia fazer-me merecedor de meu ingresso, se eu assim desejasse. E eu desejava fazê-lo desesperadamente, já que me sentia afogado pela enorme dívida de gratidão para com A.A. Acredito que não haveria podido suportar a carga de dever tanto se AA. me tivesse deixado desenvolver pensando que tudo isto eu o estava fazendo por uma indigna pessoa. Mas me asseguraram que os membros de A.A. se mantêm sóbrios procurando beneficiar a mim.
Também foi um grande alívio quando se me foi dito que, em certo sentido, eu podia pagar essa dívida simplesmente conversando com alguém, algumas vezes, da mesma maneira como me haviam falado. E, além disso, não me foi sugerido que ajudasse somente ao limpo, ao acomodado, ao não drogado, ao não grosseiro, ao sincero, ao não fanático, ao devoto ou ao ímpio.

Aparentemente, para mim, o preço de nossa Irmandade de A.A. (Primeira Tradição), e de nossa confiança mútua (Segunda Tradição), se as desejo, requer da aceitação não escasseada para com os companheiros — um amor que pode reclamá-lo qualquer um que o deseje. Pode ser que não o expresse, ou pode atuar como se não o desejasse, mas se o desejo de fato existe em seu coração, mesmo que ele não se aperceba disso, já é suficiente.

Tradução: Edson H.

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