domingo, 22 de julho de 2012

Marcha sem fim


MARCHA SEM FIM
“Quando a jornada é muito longa, o objetivo passa a ser a própria jornada”.

Sobriedade tem como definições nos dicionários: moderação; temperança especialmente no comer e no beber; frugalidade; comedimento; parcimônia; reserva; moderação nas paixões; exclusão do artifício e da complicação; naturalidade.
Muitas vezes minha mente se recusa a obter o significado correto de uma palavra, principalmente quando ela se refere às minhas qualidades, boas ou más.
Conhecer o significado correto muitas vezes significa saber que não sou aquilo que penso e digo que sou.
Darei apenas um exemplo: - em 1966, tive uma grande crise alcoólica e instado por amigos fui a São Paulo em busca de auxílio médico. Juntamente com um compadre médico, procuramos o Dr. C. Ribas, então o mais famoso nome da psiquiatria, em São Paulo.
Após ouvir a minha história, o famoso esculápio concluiu que eu não era um alcoólico, mas tão somente um dipsomaníaco. Fiquei muito satisfeito; voltei para a minha terra e continuei a beber, sem me preocupar em saber o significado exato da palavra dipsomania.
Só anos depois, já tive livre da compulsão, fui ao dicionário e lá estava: “impulsão mórbida, periódica e incoercível para bebidas alcoólicas”.
Agora que sei o verdadeiro significado de sobriedade, posso fazer um rápido inventário e definir o quanto de sobriedade eu consegui em todos esses anos de A.A.
Como conquistar a verdadeira sobriedade, conseguir mantê-la e ainda melhorá-la a cada dia é sobre o que tentarei escrever se vocês tiverem a necessária paciência e tentarem raciocinar comigo.
Apesar de que ao pararmos de beber, imediatamente nos dizemos sóbrios, aquela “parada” não passa do início da sobriedade. A sobriedade deve ser construída, tijolo a tijolo, ou passo a passo, desde o 1º até o 12º. E não pode parar por aí.
A maturidade emocional e o crescimento espiritual só têm a estação de partida, não têm ponto de chegada.
Ninguém é totalmente adulto em termos emocionais e ninguém atingirá a perfeição do espírito.
Assim, o Programa de Recuperação de Alcoólicos Anônimos é uma marcha sem fim rumo ao progresso o objetivo final é, meramente, virtual.
Não sem propósito, Joseph Campbel afirmava que “quando a jornada é muito longa, o objetivo passa a ser a própria jornada”.
Só posso falar de mim. Logo os exemplos que enumero devem estar baseados apenas na minha vida, na minha experiência e no meu provável crescimento.
Parei de beber em 25 de fevereiro de 1970. Digo que estou sóbrio desde essa data.
Houve tempos em que até comemorava, recebia ficha, levava bolo e refrigerantes ao Grupo.
Hoje não faço mais isso.
A cada estágio de minha sobriedade elejo novas prioridades além daquela de não tomar, só por hoje, o primeiro gole.
Assim, no estágio de hoje, não faço mais festa; deposito na sacola o valor que gastaria se fosse fazê-la.
Por essa premissa, como a cada ano a minha sobriedade deve ser maior, maior deveria ser a comemoração e, em conseqüência, a gratidão maior importa em um maior depósito na sacola do meu Grupo.
Estudei os Doze Passos, As Doze Tradições, os Doze Conceitos. Li toda a literatura de A.A. à medida que ela foi ficando disponível. Entretanto compreendi que a literatura ajuda grandemente a minha recuperação, mas é insuficiente para meu crescimento.
Precisa ser coadjuvada por uma ferramenta muito importante: a análise estudada perante os fatos da vida. È isto que o Grupo de A.A. me oferece o conhecimento da vida como ela é.
Sejamos claros. Há companheiros que gostam das coisas descritas com os mínimos detalhes.
Pois bem, são 13.349 dias que digo estar sóbrio. Para fazer conta redonda, vamos supor o que penso não ser nenhum exagero, que participei de, no mínimo, 12.000 reuniões de A.A.
Ora, se a cada reunião, 10 depoentes são ouvidos, logo ouvi 120.000 depoimentos desde o dia que ingressei em A.A. e mais, por, no mínimo, 10.000 vezes eu prestei o meu depoimento, havendo a possibilidade de haver me recusado a falar por mais de 3.000 vezes, nesse lapso de tempo.
Foram 120 mil vezes que ouvi pessoas homens e mulheres com idade entre 15 e 90 anos, das mais diversas camadas sociais, com uma diversidade cultural enorme, falando de suas vidas. Falando de seus fracassos, de seus males físicos, de suas deformações morais, de seus insucessos, de seus defeitos de caráter bem como de seus sucessos, de suas virtudes, de suas “voltas por cima”, de suas tristezas e alegrias, de suas infelicidades; das suas perdas e conquistas materiais, emocionais e espirituais da felicidade, enfim.
Vi inúmeros recaírem. Uns voltaram e estão bem. Outros voltaram e vivem a tentar sem descanso e sem sucesso.
Vi aqueles que não acreditando, morreram. Alguns deles cercados ainda pelo carinho da família, outros em total abandono e solidão.
Mas vi, também, um bom número daqueles que morreram com uma sólida sobriedade e porque foram incansáveis em dar amor, foram cercados de amor que deixaram esta vida.
E foi ouvindo esses relatos de vida, de dor e de felicidade, que consegui interpretar Os Passos e os textos da literatura que li, construindo minha nova vida. Esse é o meu grande patrimônio.
Para que se possa aquilatar a minha conquista, vale transcrever uma página que recebi pela internet, alegando autoria desconhecida, e que retrata fielmente o meu atual estágio de vida: - “Tempo que foge... Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupa displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço. Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana com propostas de abalar o milênio. Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturas. Não quero ver os ponteiros do relógio avançado em reuniões de “confrontação”, onde “tiramos fatos a limpo”, ou “lavamos a roupa suja”. Detesto fazer acareações de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário do coral. Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: “as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos. Sem muitas jabuticabas na bacia quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita para a “última hora”; não foge de sua mortalidade; defende a dignidade dos marginalizados e deseja andar humildemente com DEUS. Caminhar perto delas nunca será perda de tempo”.
Quem se der ao trabalho de ler estas divagações sem dúvida dirá que sou louco.
E sou.

Sou louco de amor por todos.

Eloy T./Santos/SP

“Não acho que a felicidade ou a infelicidade sejam o ponto principal.
Como enfrentamos os problemas que chegam a nós? Como aprendemos através deles e transmitimos o que aprendemos aos outros, se é que querem aprender?
Do meu ponto de vista, nós deste mundo somos alunos numa grande escola da vida. Isso é proposto para que tentemos crescer e ajudar nossos companheiros viajantes a crescerem no tipo de amor que não faz exigências.
Em suma, procuramos progredir à imagem e semelhança de Deus, como nós O concebemos”.

Reflexões Diárias

Vivência nº107 – Mai./Jun./2007.

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