sexta-feira, 20 de julho de 2012

Comunicação: Terapêutica da liberdade


Comunicação: Terapêutica da liberdade

Sem estarmos conscientes, na medida do avanço implacável de nosso alcoolismo cortaram-se progressivamente os vínculos que nos uniam a este mundo. Depois de vários copos e de muita vergonha os amigos desapareceram, o trabalho tornou-se um lugar hostil, os familiares se transformaram em gente desconhecida e qualquer relação pessoal básica tornou-se impossível. Estávamos cada vez mais doentes e ao mesmo tempo mais incomunicáveis, o que é a mesma coisa, mas sozinhos, até o terrível ponto em que muitos de nós caímos: a etapa final da ruptura da comunicação com nós mesmos; devorados pelo álcool chegamos a perder a própria identidade e na bebedeira da morte esquecemos que existíamos e quem éramos. De fato, deixamos de ser pessoas humanas, e por isso nós alcoólicos dizemos que existe realmente um inferno na terra: dizemos isso com propriedade porque vivemos ali.

Hoje sóbrios, pela graça de Deus, compreendemos com clareza que se o alcoolismo é a doença da negação, é principalmente a da comunicação, e por isso somos adictos, que significa "não dito", ou seja "aquilo que não dizemos", os incomunicáveis, os carentes de contatos humanos, os solitários, os marginalizados, os esquecidos e, por tudo isso, terminamos sendo os "mortos que caminham", como exatamente nos chamou Florencio Sanchez...

A falta de comunicação é uma das consequências da doença adictiva, mas o contrário também vale: a comunicação é uma via terapêutica fundamental na recuperação. Quando em nossos Grupos sabiamente se repete: "Aquele que não se integra se desintegra", nada se faz além de estimular a comunicação; mas o que significa verdadeiramente comunicar-se? A resposta é simples: é estender uma ponte com a vida e com os semelhantes; é sentir-se o outro e sentir que o outro se sente, é dar algo meu e receber algo que ele me dá, e é a partir disso que o amor se torna o produtor principal da comunicação.

O Grupo é o primeiro laço humano do alcoólico que inicia o caminho, e por isso sua importância é transcendental pois, por meio dele mesmo, primeiro se comunica consigo mesmo, e logo - o que dura para toda a vida - pela comunicação grupal é libertado continuamente da parte doente de seu ser, resgatando o livre arbítrio, o juízo são e a paz interior. Cada vez mais se repete o ato de transmissão da sabedoria da dor passando direta e intimamente "de bêbado para bêbado", numa comunhão única e insubstituível.

Contudo, para o alcoólico voltar a ser uma pessoa integral deve avançar, em caráter de terapia vital, recuperando progressivamente a comunicação, aprofundando-a em todos os planos da existência, o que compreende seu grupo familiar, seu trabalho, seus amigos, sua igreja, seu clube, seu bairro e sua sociedade, incluindo até transpor as fronteiras geográficas, pois somos milhões no mundo, unidos em A.A. - gozando o privilégio da liberdade - e há outros esperando, ainda nas sombras, o alívio da mensagem.

Por isso formamos grupos em todo o globo, por isso publicamos revistas, boletins, livros, filmes e folhetos, por isso estamos hoje no ciberespaço, nos hospitais e nas prisões. Porque nos comunicamos, necessitamos da comunicação como parte de nossa terapêutica, mas também para dizer ao mundo que já não temos vergonha, que somos livres e depositários de um dom altíssimo que estamos dispostos a compartilhar com todo aquele que sofre.

Extraído da revista El Triângulo, Uruguai.
(Vivência nº 51 - Jan/Fev 98)

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