
Presença marcante...
Uma vez mais: o segredo está na próxima reunião.
Era manhã de domingo no inverno carioca, tempo frio, nublado, garoa fina caindo sobre o formigueiro humano. A reunião aberta do grupo de A.A. começaria às 10 horas.
Ele chegou, não cumprimentou ninguém. Sentou-se na terceira cadeira da primeira fila à esquerda. Aquela estranha figura chamou minha atenção. Idoso, barba muito grande, negro como a noite, semblante sério, rosto marcado pelos maus tratos do tempo. Olhava fixa e atentamente para o companheiro que falava. A calça estava gasta e a camisa de linho, muito folgada, visivelmente tinha sido de alguém maior e bem mais forte do que aquele mendigo. Mas suas roupas estavam também visivelmente limpas, e ele banhado. Parecia ter um carinho especial para consigo mesmo. Seu olhar era muito penetrante.
A palavra foi então franqueada. Ele se levantou e, com passos firmes e seguros, avançou. Cumprimentou a todos com uma voz fraca e, falando muito baixo, disse o quanto é serio fazer parte de A.A., o quanto a Irmandade é divina e o quanto somos ingratos para com Alcoólicos Anônimos. Depois dessas poucas palavras, ditas com profundo sentimento, pegando a todos de surpresa, o velho levantou o tom de voz e continuou seu depoimento, com uma propriedade que eu desconhecia. Jamais alguém me transmitiu tanta paz e convicção. Ele falava do coração.
Para mim, ele trouxe uma mensagem de profeta, falou de um Poder Superior capaz de remover montanhas. Talvez não tivesse onde morar, o que comer, nem onde chorar, mas deixou de ser mendigo porque tinha um Poder Superior, tinha paz, fé, boa vontade e amor - ele era amor.
Eu o ouví e ví um mundo melhor, caso eu permanecesse em A.A. Aquele velho me fez crer num Poder Superior infinito, mostrou-me que não existe raça, credo ou posição social, pois somos todos iguais.
Quatro anos se passaram desde que estive no Rio de Janeiro, mas não esquecí daquele companheiro. Já esquecí o mendigo, mas não o profeta. Já esquecí o velho barbudo e mal vestido, mas não o companheiro manso, de palavras firmes, que me falou de um Deus.
(José N., Itarema/CE)
(VIVÊNCIA - Nov/Dez-2000)
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