sábado, 10 de dezembro de 2011

Sócrates e o Alcoolismo - por Paul Sampaio

" SÓCRATES E O ALCOOLISMO "

Paul Sampaio
Jornal da Cidade de Bauru
http://www.jcnet.com.br/detalhe_opiniao.php?codigo=218818

Quando ouvi a notícia da última internação do Sócrates, imediatamente disse para minha esposa, que estava ao lado: não deu tempo! E ela entendeu perfeitamente o que eu, profeticamente, acabara de dizer, e agora explico pra vocês aqui. Meu maior ídolo do esporte (eu tinha doze anos em 1982, quando Sócrates mais brilhou e era um corintiano fanático), não conseguiria em vida dizer ao mundo que tinha essa doença: o alcoolismo. Ele precisava de um transplante, e, como médico, sabia e reconhecia que o álcool havia acabado com sua saúde atlética, e ainda assim não admitiu que era dependente. O cérebro da Democracia Corintiana, o maior esportista das Diretas Já, enfim, um homem que se destacou com o corpo e a inteligência, meu maior exemplo na adolescência, perdeu a chance de defender uma grande e pesada bandeira – a luta contra a apologia do álcool nos veículos de comunicação e a divulgação dos perigos e tratamentos do alcoolismo, que assombrosamente atinge mais que 10% da população brasileira. Sócrates, o grego, diria que essa é uma questão moral. Sócrates, o brasileiro, diria: vamos abrir uma cerveja para discutir o assunto. E enquanto o sorriso ainda está em vossas faces, lhes pergunto, caríssimos leitores: qual é a graça de uma piada que leva à morte?

Tentem rapidamente imaginar todos os famosos que vieram à mídia, falando sobre grupos de apoio como o AA (alcoólicos anônimos ) e NA (narcóticos anônimos), fazendo propaganda de clínicas de recuperação que os ajudaram a voltar à vida. Imaginem. Pensem. Quem veio à memória? Ninguém! Agora, imaginem quantos famosos apareceram na TV e jornais, com manchetes do tipo: famoso faz besteira por causa de álcool e drogas e se interna, ou morre. Vários, não é?

Então... descobrimos o problema. A desgraça humana faz muito mais sucesso do que a recuperação. Pelo menos no que diz respeito às doenças emocionais e de dependência química. Logo, os dependentes, quando já estão precisando de ajuda, não conseguem pedir por ela, por uma simples razão – a vergonha (responsável direta pelo anônimo em todos os nomes dos grupos de apoio existentes ).

Doentes de câncer têm todo o apoio da mídia, por exemplo. Mas dizer por aí que é dependente químico, alcoolista em recuperação, causa muito susto nos outros. Medo, dó, repulsa. Por isso, nem o Sócrates nem qualquer outra celebridade brasileira até hoje teve a coragem de vir a público para começarmos uma nova fase na vida da nossa nação. Um momento de combate mais efetivo contra a hipocrisia. Um momento para aceitarmos que muitos de nós têm familiares e amigos precisando de ajuda, e não repreensão. De que eles são doentes e não perdedores. E que antes de eles saírem do anonimato é preciso que nossos costumes mudem primeiro.

Por isso decidí escrever esse artigo. Achei que o Sócrates era o homem certo, na hora certa, para iniciar esse processo, e com sua partida estou meio sem perspectivas. A briga contra o álcool no Brasil é absolutamente desleal. É nadar contra maré. É bater de frente com a Ivete Sangalo e o técnico da Seleção Brasileira de Futebol e suas propagandas de cerveja. É ser tachado de bêbado, de drogado. Ou amigo de bêbado e de drogado. Por isso, espero com minha atitude inspirar outros tantos que já tiveram um dia, ou ainda têm, problema com álcool e drogas, para que saiam a público e digam.

Como aprendi com meus irmãos de sala, deveria agora estar observando o meu anonimato, e preservando minha identidade. Contudo, peço licença a eles, pois não iria criticar meu grande ídolo, sem colocar a cara pra bater. Pelo tanto de felicidade que ele me trouxe, tenho por ele agora a coragem para modificar o que pode ser mudado. Por isso, rompo meu anonimato e digo em público que: eu, Paul Sampaio Chediak Alves, sou um alcoólico cruzado em recuperação (também consumia cocaína e crack), e só por hoje estou limpo. Nunca poderei dizer que estou completemente recuperado, porque o alcoolismo e a dependência química são doenças que não têm cura. Mas só por hoje não bebí e não usei nada que tirasse meu controle e discernimento... essas são palavras comuns a todas as salas de grupos de apoio mundo afora. Uma linguagem própria nossa. Sejam bem-vindos a ela. A propósito, não uso mais substâncias que destroem a mim e aos que me cercam desde setembro de 2010. Sim. Limpo há mais de um ano e três meses. Sinto por minha mãe não poder ler esse texto, nem corrigir meus erros de português. Mas tenho uma certeza profundamente verdadeira em meu coração, de que ela, olhando pra mim, de onde ela está agora, sorri, feliz, sentindo muito orgulho de seu filho. E que com certeza, como uma corintiana fervorosa que sempre foi, estará com uma grande multidão de admiradores , esperando nosso Doutor Sócrates em sua volta à espiritualidade. Assim seja.

Paul Sampaio é filósofo, professor e colaborador do JC - www.paulsampaio.com.br

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