quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Não era tribunal!


Não era tribunal!
"Militei no mundo obscuro do alcoolismo até os quarenta e oito anos de idade. Mesmo aos trancos e barrancos, consegui segurar a família e o emprego até me aposentar. Mas isso não impediu que eu chegasse à bancarrota física, mental e espiritual, a ponto de não ter mais nenhum domínio sobre a minha vida."

Estava tudo consumado e o fundo do poço tornou-se realidade.
Como minha desgraça dava na vista de todos, apareceu-me um cidadão com um livrete na mão, conversou comigo e contou-me sua história, acrescentando algumas coisas escritas no livrete. Mas nada disso me reanimou porque, para mim, meu caso não tinha solução.
Mesmo assim aceitei o convite para visitar um grupo de Alcoólicos Anônimos, pois no infortúnio em que vivia, já estava topando qualquer coisa que me pudesse ajudar e assim fiz: fui visitar a Irmandade.
Ao entrar naquela casa, tive a sensação de que iriam realizar um julgamento popular, cujo réu era eu mesmo. Na entrada da sala, havia uma placa enorme escrita com letras graúdas, que diziam: “Se você quer beber, o problema é seu. Se você quer parar de beber, o problema é nosso”. A princípio achei essa frase muito autoritária e isso serviu para aumentar mais ainda o meu medo.
No interior da sala havia várias cadeiras já ocupadas e uma mesa atrás da qual também havia alguém (o coordenador). Cheguei a imaginá-lo o juiz que iria dar o meu veredicto final. Ao seu lado direito havia ainda outra pessoa (o secretário), o qual, em minha imaginação, tornou-se o escrivão encarregado de registrar todas as perversões que eu havia praticado durante as minhas bebedeiras. E à esquerda havia uma tribuna, que também imaginei ser o lugar por onde passariam os advogados de acusação, aqueles que me condenariam definitivamente.
Diante daquele “tribunal”, quem poderia me defender? Nessa hora lembrei de Alguém que eu havia esquecido há muito tempo, um Ser que tem poder sobre as coisas, Deus, como O concebo. Mesmo tendo-O renegado, Ele nunca me abandonou.
Por fim, o coordenador convidou a todos para que ficassem de pé e rezassem a Oração da Serenidade. Depois disso, todos se sentaram e acreditei que estava aberta a sessão na qual certamente aconteceria o meu julgamento.
O coordenador falou algo, mas eu nada entendi. Então ele convidou um membro para ir à tribuna (cabeceira de mesa). O medo me fez abrir bem os ouvidos e arregalar os olhos, pois ali estava o meu futuro. E ele começou a falar, chamando a minha atenção ao afirmar que eu era a pessoa mais importante daquela reunião, o que se tornou um mistério para mim. Depois começou a contar histórias de derrotas e sofrimento em consequência do seu alcoolismo. Mentalmente eu ficava fazendo maus pré-julgamentos: ele estava falando de mim! Aquelas histórias sórdidas, quem passou por elas fui eu, alguém contou a ele sobre a minha vida!
Mas não demorou muito para as coisas tomarem outro rumo. Ele começou a falar do alcoolismo como uma doença progressiva, falou dos Doze Passos como um modo de vida e falou da felicidade que desfrutava, vivendo um dia de cada vez e praticando uma programação feita apenas para cada vinte e quatro horas.
Ouvindo aquilo, a tranquilidade e uma sensação de alívio tomaram conta de mim. Eu esperava que ele fosse me acusar de ser um fraco que não para de beber por falta de vergonha na cara, de força de vontade ou ainda porque eu não era homem como eu costumava ouvir de outras pessoas. Porém, contrariando as minhas expectativas, ele falou apenas do seu alcoolismo, sobre ter admitido sua impotência perante o álcool, sobre uma fé que realmente funciona, sobre um Poder Superior que o devolveu à sanidade, contando que, graças a um despertar espiritual, conseguiu afastar a obsessão pela bebida e voltou a ter uma vida íntegra, feliz e útil.
Após esse e outros sucessivos depoimentos, entendi que eu não estava ali como réu e sim como vítima de uma doença, tal como aqueles que ali se encontravam também. Ao invés de ser condenado, passei a receber um tratamento digno de uma pessoa enferma, e os remédios prescritos pelos companheiros foram: carinho, compreensão, aceitação, unidade e fraternidade.
Para abrir as portas da sobriedade, sugeriram-me a prática dos Doze Passos de A.A., o que até hoje faço com muito entusiasmo. E posso gritar aos quatros cantos do mundo: eu sou feliz!
Vivência. Mai/Jun. 2001

Nenhum comentário:

Postar um comentário