sexta-feira, 30 de setembro de 2011

É um daqueles que vale a pena conhecer melhor...

É um daqueles que vale a pena conhecer melhor...

O Décimo Primeiro Passo foi um daqueles que inicialmente pensei ter sido colocado ali por Bill somente para encher o espaço entre o Décimo e o Décimo Segundo Passos. Desde sempre o meu relacionamento com Deus foi quase que inexistente, à parte da curiosidade que me levava a estudar - naturalmente acima de minhas convicções "filosóficas" absolutamente corretas – um pouco de todas as religiões e de um respeito singular que eu nutria no confronto daqueles que professavam qualquer fé.

Obviamente era eu que deveria julgar se isso era sincero ou não. Lembro-me que, mesmo declarando-me um agnóstico convícto, eu reagia violentamente contra quem blasfemasse em minha presença, e me acontecia, às vezes, de "defender" abertamente todos aqueles cuja fé era motivo de zombaria (ou eu fazia isso para aparecer, ou somente procurava uma oportunidade para descarregar a minha agressividade).

Hoje, por não estar praticando nenhuma religião, sou levado a acreditar em um Poder Superior, convencido por um simples e evidente fato: o dia está para terminar e não bebi e, esta manhã, ao acordar, não tive aquele feroz e implacável desejo por álcool, que me torturou por uma eternidade.

Sem desejar beber, acredito ter experimentado uma primeira e rudimentar forma de oração, quando comecei as minhas primeiras vinte e quatro horas. Trancado em casa - mas me lembro principalmente de quando era obrigado a viajar sozinho de carro - recitava mecanicamente, e até gritava, dez, vinte, cem vezes a Oração da Serenidade e os Doze Passos; até me doia a garganta

pelo esforço, mas conseguia vencer a compulsão e expulsar a bebida.

Não tinha absolutamente nenhuma idéia do significado daquelas palavras que gritava, mas funcionava. Fiz isso durante quase um mês, até quando conseguí fazer as primeiras e tímidas tentativas de pensar em outras coisas que não fossem somente tocar num primeiro copo. Tinha fé naquelas palavras que não entendia, fé em nosso triângulo dentro do círculo, que se mantinha fechado em minha mão.

Depois comecei a trabalhar com o Programa, principalmente levando a mensagem e fazendo o meu inventário. Disse-lhes no início sobre a pouca consideração que tinha pelo Décimo Primeiro Passo; ao contrário, experimentava um sentimento de rebeldia quando o meu padrinho me dizia que havia sido a fé que tinha me salvado e que eu faria bem se procurasse cultivá-la se quisesse me manter sóbrio. Mas há algum tempo compreendi que aquela rebeldia a qualquer coisa que me aborrecia sempre me fazia mal.

Assim, lentamente, no início somente porque me foi sugerido - tinha também compreendido que não era bom menosprezar as "sugestões" do Programa nem meu padrinho! - comecei a fazer as pazes com esse Passo "não tão importante".Percebí que, apesar de no começo parecer muito difícil para quem não se lembrava nem das orações aprendidas quando criança foi, ao contrário, muito mais fácil do que o previsto até para o mais impenitente dos agnósticos, e isso além da fundamental expressão cuja essência me teria fechado qualquer possibilidade de salvação, isto é: "Deus, como nós O concebíamos". E pareci, afinal, bastante sensato.

Se era verdade que a doença, além de física e mental, era também e sobretudo espiritual - e o fato de que estava sendo por mim detida temporariamente por meio do Programa e da ajuda de um Poder Superior, quando qualquer outra tentativa havia fracassado - devia ser também verdade que "valia a pena conhecer melhor esse Poder Superior com um contato o mais direto possível". Hoje não bebí. Ontem também não. Mas como duvidar que eu não queria este dom inestimável seja renovado também amanhã e depois?

Preciso manter, consolidar meu relacionamento com a força que me doou tudo isso. É simples.

Com que meios? A primeira coisa que me foi oferecida é a meditação. Mas nada de místico nem misterioso. Refletir sobre aquilo que devemos fazer durante o dia e, à noite, sobre aquilo que conseguimos fazer. Refletir se os nossos sentimentos ao fazê-lo foram positivos, serenos, construtivos, sem a ânsia desmotivada, ressentimentos e egoísmo.

Refletir se, ao invés de vegetar, nos é dada a possibilidade de realizar qualquer coisa, também pequena, que possa contribuir para melhorar a nós mesmos e ao mundo em torno a nós, e dar um sentido à nossa vida. Assim como disse Bill, é óbvia a necessidade de se imaginar o projeto antes de construir uma casa.

O segundo meio é a oração. Viram como, sem que eu soubesse, me serviu em meu primeiro período de abstinência. Tentei continuar me servindo disso sem estar querendo saber como funciona. Lá onde me é necessária uma força que sei não possuo, que nenhum indivíduo possui; uma sapiência ou uma capacidade de discernimento que vai além das minhas possibilidades - e a minha vida alcoólica diz o quanto sou limitado -; uma capacidade de suportar as adversidades e de controlar as emoções que me são desconhecidas , eis que volto a mente àquele Poder Superior que uma vez parou a minha loucura, e me declaro de novo pronto a reconduzir-me aos Seus desígnios, com a esperança de que me indicará ainda a melhor estrada para seguir e me dará forças para fazê-lo, bastando que eu consiga distinguir entre os meus e os Seus desejos.

Agora, dessa vez em silêncio e com calma e concentração, valorizando atentamente cada simples palavra, recito a nossa Oração e os nossos Passos: são a minha oração, e para mim são uma boa oração; além disso, creio que Ele não tenha tantas preferências quanto ao tema da oração. Mas acima de tudo, continuam funcionando.

Prece e meditação, combinadas com um exercício cotidiano (lembremos que "a vida espiritual não é uma teoria, é necessário vivê-la"), são a garantia de que me será dado manter a minha sobriedade e também melhorar a sua qualidade.

A primeira pelos motivos óbvio e práticos que anteriormente citei; a segunda (sobretudo quando parece que não seja necessário rezar, isto é, também quando o desejo de beber parece tão distante e tudo parece estar sereno e livre de obstáculos), para que eu sempre possa ter na consciência que tudo é um projeto do qual eu faço parte, que é um caminho a seguir, na certeza de que "a vida não é uma estrada de ferro abandonada".

Concretamente, sinto que o meu equilíbrio emotivo depende em grande parte disso: de superar, através da meditação e da prece, aquele e assustador sentimento de vazio que me acompanhou por tanto tempo. Evidentemente, o Décimo Primeiro Passo não tem o objetivo de preencher o espaço até o Décimo Segundo Passo e quem sabe, se hoje tive o dom de conservar a minha sobriedade, eu não deva isso à sorte de tê-lo praticado a tempo.

(Enzo, Revista Insieme, Itália)

Vivência Julho/Agosto 99 - nº 60

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