terça-feira, 31 de maio de 2011

Parar de beber é apenas o começo

  
Em nossas trocas de experiências, compreendi que para se tornar alcoólico, o fato não está na quantidade consumida nem na freqüência no beber. Nem no velho ou no jovem. Nem mais no homem do que na mulher. Mostrou-me as experiências que um alcoólico pode beber apenas uma vez por semana, enquanto um bebedor social pode até fazer uso diário do álcool. No meu caso, as características foram compulsão nas ocasiões mais impróprias e a perda de controle na maioria delas, levando-me à falta total de responsabilidade sob todos os aspectos.
               Para criar coragem e dançar colado com as meninas nas festinhas, tomava hi-fi. Eu tinha 17 anos. Meus amigos todos bebiam e eu achava supernormal. Entre doses de hi-fi, cheguei à fase adulta. Pensei em ser padre, mas a bebida me fez perder a fé. Aos 28 anos, era militar e estava casado. Bebia mais que o aceitável. Como eu podia me achar impotente diante da bebida? Militares não se rendem, batalham até a morte! Assim, eu pensava.  Meu casamento entrava em crise. No trabalho, o humor modificava. Chegava de ressaca. Sexta-Feira era o dia mais esperado. Embora bebesse nos demais dias. Começava a beber na Sexta à noite e só parava no Domingo, muitas das vezes sem voltar para casa. Meus filhos cresceram e eu nem fazia mais questão de esconder a embriaguez da família. Minha vida estava destruída – moral, física e financeiramente. No dia 26 de dezembro de 1976, fui a uma reunião de AA. Fui acompanhado de meu pai. Eu me rendi. Vi que precisava de ajuda. Estava doente. Fui ajudado e venci. Alcoólicos Anônimos modificou a minha vida. Houve reformulação. Integrei-me em AA.
Superar o orgulho, a vaidade, o narcisismo, o fingimento, e “reconhecer que já não bebe só quando quer e o quanto quer”. Aceitar que “não é mais a mão que procura o copo, mas o copo que a atrai” e “sentir que não tem mais controle sobre o álcool,  que não adianta mais continuar sendo dominado por ele” (conforme depoimentos de membros anônimos e, minha aceitação) são fatores importantes para uma abertura de mente. Dar o Primeiro Passo ou praticar o Primeiro Passo ou integrar-se ao Primeiro Passo ou mesmo, entregar-se ao Primeiro Passo é dificílimo, quando não se tem ainda a mente aberta! 
Depois de quase dez anos, onde muitas vitórias foram contabilizadas, tive a primeira recaída. Foi num churrasco. Tomei algumas doses de cachaça. Fraquejei. Aí, envergonhado, quis me recriminar e me puni cada vez mais. Bebi sem controle. Embora já passados mais de quinze anos, trago ainda recordações muito vivas. Lembro-me que os antigos hábitos estavam de retorno, relacionamento extraconjugal, ausência nos grupos e o saudosismo das velhas músicas tocadas por amigos nas mesas de bares.
Graças ao Poder Superior, eu nunca me “desencantei” pelo AA. ao longo de todo o meu sofrimento. Nunca me ausentei mais do que oito dias de um Grupo. Nunca cheguei alcoolizado. Durante este tenebroso período eu me analisava muito, conforme algumas descobertas de escritos encontrados já amarelados dentro de um livro: “Os meus sintomas provenientes da recaída foram e são, pois continuam apenas adormecidos e armazenados no meu organismo: amargura e forte depressão; amnésia parcial, onde o esquecimento de coisas e atos ocorridos na noite anterior são totalmente visíveis; descontrole nervoso, onde acessos de comportamentos de histeria (ou seja, princípios de loucura) aparecem, provocando desejos de suicídios e agressões físicas e verbais descontroladas; impotência sexual parcial e diminuição da visão”. Em outro alfarrábio eu encontrava: “Preciso aliar a vontade de beber com o controle emocional. Normalmente é este descontrole que me leva ao 1º Gole, pois a vontade de parar e mesmo deixar definitivamente a bebida de lado, sempre me acompanha antes, durante e depois. Esta obsessão é misteriosa!”.
Lembro-me da minha última bebedeira: Bebi num boteco e não sabia voltar para casa. Dormi num ponto de ônibus e acordei sobre o meu próprio vômito. Sobre isto eu “descobriria” outro alfarrábio, que escrevera naquela época preenchida de tanto remorso: “Trago ainda recordações muito recentes, quando iniciando a beber no final da Asa Sul, próximo à minha casa, fui ao Guará, depois Núcleo Bandeirante e de lá um “disco voador” deve ter me conduzido ao Plano Piloto (Setor Comercial Sul), pois não me lembro como lá cheguei. E ainda eram de 7 para oito horas da noite de um domingo. Terminei dali pra frente rodando por Brasília, indo de táxi para o Gilberto Salomão e atravessando depois toda Asa Norte (ou seja, “zig-zaguiei” quase a metade do Distrito Federal), ficando deslumbrado com alguém que tocava violão, num dos bares das finais das Quadras 200 Norte... Me esqueci onde estava. Não me lembrei do meu endereço. Procurei alguém conhecido. Não encontrei. Acordei-me às 05:00h da manhã deitado sob uma marquise de um ponto de ônibus. Recobrei um pouco os sentidos. Era o barulho do ônibus que embarcando nele segui o seu rumo, destinado a ir para onde ele fosse. Ainda bem que chegou ao seu ponto final, que por muita sorte e a continuidade da presença de Deus, era próximo de minha residência”.
As minhas recaídas só serviram para eu confirmar que sou doente e que o alcoolismo não tem cura. E que devemos admitir e compreender humildemente a nossa incapacidade para governar as nossas vidas sem a sobriedade de que tanto necessitamos.
“Parar de beber é apenas o começo”.
O começo de uma mudança que vem como benefício da capacidade que tem a Irmandade de AA para gerar o bem. Um bem que procura nos levar à reformulação de vida. Que nos impulsiona a continuar o gesto nobre de estender a mão para outros, nos tornando cada vez mais conscientes de que está em jogo, se assim podemos dizer, a nossa vida e a vida daqueles que ainda não nos conhecem e que precisarão um dia de Alcoólicos Anônimos.
                                                                       CAMPOS S./Brasília-DF

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