sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O Segundo Legado na Visão do Dr. Oscar Cox


O SEGUNDO LEGADO NA VISÃO DO DR. OSCAR COX
Dr. Oscar Rodolpho Bittencourt Cox - Rio de Janeiro - RJ 

"Há um interesse crescente acerca das Doze Tradições de Alcoólicos Anônimos. Estudiosos de relações humanas começam a perguntar-se como e por que A. A. funciona como uma sociedade. Por que razão, indagam, nenhum membro de A. A. pode ter urna posição de autoridade sobre outro e não existe qualquer vestígio de governo central na organização." 

Para explorarmos este tema, sob minha visão, vejo a necessidade de fazer uma ligação a Biologia, o aprendizado distinto de religiosidade, a vivência da espiritualidade e, por fim, os conceitos e práticas nas famílias.

O Segundo Legado - manutenções da unidade em Alcoólicos Anônimos são as Doze Tradições que os Grupos foram concluindo ao longo do tempo na prática, na cooperação e na troca de experiências. Percebeu-se que viver junto, viver em família é coisa a ser aprendida. Logo, em 1946 as Doze tradições são formuladas e publicadas pela primeira vez. Em 1950, já amplamente aceitas, são confirmadas por ocasião da 1a Conferência Internacional Cleveland Chio - USA.

Espiritualidade X Religiosidade - Os leitores devem se deparar com momentos, em suas vidas, que racionalmente desejam ou elaboram ações que na realidade são contrariadas diante de suas argumentações inconscientes e compulsivas. Acabam envolvidos, portanto, com fatos desagradáveis, prejudiciais, de conseqüências maiores ou menores para com suas próprias vidas. - "Não foi possível impedir isso!" - Dirão estas pessoas no dia seguinte, buscando explicações e fugas das mais diversas. 

O que acabamos de descrever, de forma extremamente genérica, acontece de um modo constante com qualquer ser humano, de maneira intensa ou mesmo imperceptível. Então, buscam-se formas mais tênues de racionalizar ou negar os fatos. Esconder e sepultar os sentimentos gerados passa a ser urna constante. 

Qual o fenômeno que podemos identificar acima e que é chamado de compulsão? Desde o nosso nascimento, as leis do prazer são as nossas diretrizes. Imaginem uma criança discutindo a qualidade do macarrão do almoço com a mãe. Isto não existe. Logo, todas as nossas necessidades são mascaradas pelo prazer. O prazer da satisfação faz com que o inconsciente registre e logo, o fenômeno se repete quando determinadas situações voltam a acontecer.

Nós, crianças, crescemos conhecendo as Leis do Prazer e as Leis Físicas, como por exemplo: a Lei da Gravidade - aprendemos a empurrar o chão e este reagindo, nos impulsiona para frente.

Noções de religiosidade nos são ensinadas, respeitando de um modo geral a religião do país. Seguimos o que outros nos informam como correto, comunicado por eles pela tradição, reduzida à formas fixas pela imitação e conservada por hábito, o que não deixa de ser o exercício de um poder.

Ao chegarmos á adolescência, período de liberdade, período de libertação do indivíduo em busca do próprio espaço, torna-se o jovem, naturalmente fanático quanto á religiosidade ou fanático também quanto ao seu ateísmo. O adolescente defende com vigor os seus direitos e verdades, as quais acreditam. 

Nesta etapa da vida: luto de não ser mais criança, rupturas em relação aos pais, aproximação e formação de grupos da mesma faixa etária, a busca pelos prazeres imediatos e realizações se toma mais intenso de modo que, não se percebe e não se é informado quanto a necessidade do exercício de uma espiritualidade. 

Espiritualidade: situação de relacionamento consigo mesmo - Quem sou eu? E conseqüentemente com os outros. 

Deve-se, na adolescência, começar a observação de si próprio e do mundo ao seu redor para que com estes fatos, balizados pelos limites mostrados pelos adultos e autoridades, possam exercitar seus próprios limites e assim aprender a atuar. É uma coisa nova. Lembremos que a criança só reage ao estímulo. È na adolescência que descobrimos que existimos e conseqüentemente observamo-nos e aprendemos a atuar em seqüência a observação de si mesmo, da vida, do Universo, do outro, portanto: "Eu existo". Como isto ainda não foi aprendido pela Sociedade e difundido aos nossos jovens, permanecemos adultos apenas presos àqueles princípios de religiosidade aprendidos na infância, portanto, não buscamos experiências vivenciais individuais com nossos sentimentos, com nossas reais necessidades, com nossas descobertas de qualidades e defeitos, mas, pelo prazer, em nome do prazer, pela própria Sociedade, nos lançamos aos modificadores de comportamento como cigarros, bebidas alcoólicas, oferecidos pela maciça propaganda a crianças e adolescentes. È bom citar que nestes períodos de sua evolução o Homem ainda não possui senso crítico desenvolvido. Formou-se forte regra do prazer imediato, resultados imediatos e que as pessoas se transformam em indivíduos que não podem ser contrariados nos mínimos detalhes. Fecha-se o ciclo. Agora passo a ser vítima de compulsões, as mais diversas, como comida, bebidas, sexo, trabalho, etc..., que apesar de toda racionalização em contrário, não consigo vencer. "O que houve?"

Ferro-me em uma religião, com significado filosófico cujo juízo espiritual é a proposta de um valor, um empenho pessoal de força de vontade, onde dou ordens a um Deus do que ele tem que fazer. "O que deveria ter feito?" 

Questionando a minha espiritualidade, ou seja, a minha estima pessoal — Eu me amo — pergunto sobre o meu valor, busco minhas qualidades. O juízo é existencial, é a vivência dos sentimentos, da realidade e aí troco experiências com as pessoas que vivenciam histórias semelhantes. Peço ajuda: eu existo.

Para combater as compulsões precisamos da experiência empírica das vivências dos sentimentos em vez da experiência dogmática na qual formos educados. É isto que os Grupos de Mútua Ajuda mostram com seus programas de unidade — Alcoólicos Anônimos nos apresenta, em primeiro lugar, este caminho das Tradições, da Unidade, da nova Família a ser construída. Para tomar consciência da própria espiritualidade, parte-se da melancolia, do sofrimento e das compulsões que constitui o momento essencial de partida para a evolução completa. Atinge-se a felicidade que a crença perfeita confere graças à vivência dos sentimentos, à vivência da percepção da própria história que escrevemos a cada dia. Tomam-se os transes de visão interior da própria verdade e é desta forma que podemos nos tornar indivíduos adultos, maduros, responsáveis pelo próprio destino. É este interior pessoal de verdade que todos os místicos religiosos descrevem. Hoje, às portas do 3º milênio, os Grupos de Mútua Ajuda, com seus programas de Lemas, Passos, Tradições e Conceitos possibilitam a qualquer cidadão de mente aberta e boa vontade, que um dia foi vítima de compulsões — força impulsionadora inconsciente que o levou, mesmo sem ele querer, ao sofrimento, à perda, à impotência — confessar a própria derrota de seu ego, de sua religiosidade, de sua prepotência, orgulho e grandiosidade, e assim atingir, como já dissertamos, o nirvana de sua liberdade. Com este preâmbulo no qual vimos a Espiritualidade X Religiosidade sob aspecto biológico, podemos apreender que Alcoólicos Anônimos — A. A. — nos ensina, quanto Sociedade Humana, a necessidade de Princípios que podem ser postos didaticamente na forma. OS TRÊS LEGADOS DE ALCOÓLICOS ANÔNIMOS.

O Segundo Legado, a nossa Unidade, é que permite a troca de sentimentos, o compartilharem e o construir um grupo ou uma família. 
A recuperação passa pela UNIDADE 
A recuperação passa pelas TRADIÇÕES 
A recuperação passa pelo GRUPO 
A recuperação passa pela FAMÍLIA
"A mais feliz das conversas é aquela em que não há competição ou vaidade, mas sim uma calma e tranqüila trocam de sentimentos". (Samuel Johnson)

Família

• No mundo atual, fala-se muito, mas diz-se muito pouco sobre o essencial. 

• São necessárias grandes tragédias, muitas vezes, para as pessoas saltarem o que lhes vai na alma e no coração; de resto a conversa se resumo ao plano utilitário e material.
• A forma das pessoas manterem a paz e a aparente harmonia das famílias é de não abordar certos assuntos que poderiam provocar polêmicas, invocar o perdão do outro, exigir uma participação mais ativa, enfim, fazer funcionar a máquina familiar. Em consequência, as tensões, os ressentimentos e as mágoas se acumulam e ficam marcados no espírito. 

• Para agravar esse clima de falsa paz, existe o pavor do ser humano de ser considerado diferente. "É tão mais fácil viver em rebanho e não dar explicações a ninguém...". 

• Existe uma enorme covardia (medo) perante o "que dirão" os outros. E, assim, as opiniões sinceras são guardadas cuidadosamente na gaveta do esquecimento. Para que dizer o que penso, se vai provocar tanta instabilidade? Pergunta-se. E aí se considera ser melhor deixar tudo cair num profundo silêncio, traidor da alma. 

Sentimentos — difícil de definir. Envolve tudo aquilo que nos acontece ou não envolve nada... O sentimento é pessoal e único, transmite-se e até poder ser contagioso. Mas nunca pode ser explicado por outrem, mas apenas interpretado, e sendo assim, muitas vezes deturpado. O sentimento é a forma, e o seu conteúdo varia. Podemos sentir frieza, ira, amor, inveja, O sentimento é usado para o bem e para o mal. Mas o importante é que sentir é viver, é estar em movimento, é fazer crescer, é provocar atos, é simplesmente acontecer. Imaginemos o mundo sem sentimentos. O mundo seria uma espécie de coleção de estátuas a circular com gestos orientados por uma central e sem razão para existir. A desertificação dos sentimentos elimina nossa razão de ser, de viver. Se continuarmos nessa linha de pensamentos, o não sentir é a ausência de vida. 

"Nós aprendemos a voar como os pássaros, a nadar como os peixes, mas não aprendemos a arte simples de viver como irmãos". (Martin Luther King)

Conta-se que uma levara ao Buda uma criança morta nos braços e gritava pedindo que ele a curasse. Buda mandou-a ir de porta em porta até encontrar uma casa onde nunca tivesse morrido nem um pai, nem um filho, nem um avô, nem um marido, nem um irmão, nem um amigo, e na qual nunca tivesse sofrido uma grande dor; se ela encontrasse tal situação, teria o seu filho ressuscitado. Quando ela voltou, exausta, já não pedia a cura do filho, pois tinha acalmado o coração. E assim, através da dor dos outros, sentiu a paz que vem quando digerimos a dor. 

Logo: preciso do outro. 

Preciso compartilhar experiências. 

Preciso trocar sentimentos.

Preciso aprender a ser social. 

Por que:

Família — inicialmente agressão de pessoas consangüíneas (Sistema) 
Família—¬¬reunião de pessoas com problemas entre si (Karma*)
Família — sistema a ser aprendido. 
Família— corresponde as Tradições logo Unidade do Grupo (Segundo Legado). 

O que tenho de aprender? 

Haver diálogo (Primeira Tradição) para que possam fluir sentimentos (Segunda Tradição) apenas um quesito é analisado por vez (Terceira Tradição): um fala e os outros, e os outros escutam.

Para que isto possa ocorrer, cada membro é autônomo/independente em perceber (ver – ouvir - falar), em pensar, em querer (desejos), em escolher, em imaginar (fantasias). Isto é limitado pela cultura/comportamento do próprio grupo (Quarta Tradição). 

Só com este aprendizado é que podemos realmente ajudar outro membro em dificuldades (que ainda sofre) (Quinta Tradição). Para que isto se concretize, atuar só sem julgamentos, críticas, censuras, ajudas externas para que não se envolva em questões alheias (Sexta Tradição) de modo tal, que todos os membros da família sejam absolutamente autossuficientes (Sétima Tradição), e isto só é possível através a vivência/experiência do exemplo da autoridade/pais/escola/comunidade/padrinho (Oitava Tradição). Para que isto seja atingido, precisamos dos avanços/técnicas da Humanidade — profissionais, logo, a família/grupo não deve se estruturar como Cia (companhia), mas todos devem ter tarefas com responsabilidade (Nona Tradição), para isto, a família/grupo não deve se envolver/opinar sobre questões alheias ao seu núcleo (Décima Tradição) — evitam-se controvérsias. 

Assim, na família/grupo as relações interpessoais são por atração e não promoção (Décima Primeira Tradição) — importância do anonimato (Décima Segunda Tradição) — os princípios acima das personalidades (Leis Cósmicas). 

Assim, concluímos ser o Segundo Legado — (Tradições) parte concreta na recuperação do indivíduo quanto ser humano, exercendo sua plena biologia. Temos que aprender a viver em grupo constituindo, como adultos, uma família da minha escolha. 

Notas e Bibliografia: 

• Karma — termo ligado à Lei de causa e efeito, segundo a qual toda ação, sentimento e pensamento de uma pessoa produzem efeitos de natureza similar. Que retornam ao individuo que os gerou. Em outras palavras, tudo que fazemos, sentimos ou pensamos retornam a nós, seu ponto de origem, a curto, médio ou longo prazo. Em português, costuma-se empregar a palavra destino para traduzir o termo "carma". Contudo, ela não é suficientemente adequada para exprimi-lo. Observe-se que há um carma básico que deve ser, em princípio, totalmente aceito pelo indivíduo; só depois dessa aceitação inicial, é possível transformá-lo. È a partir desse carma básico, que pré-existe ao próprio nascimento físico, que dada ser vai construindo a trama da sua própria vida e, conseqüentemente, modificando o seu carma (positivo ou negativo) e transformando-o segundo nossas atitudes, desejo e aspirações. O trabalho junto ao carma é, por conseguinte, permanente e sua duração equivale ao período de nossa vida sobre a Terra. Eis um fato que favorece a prática dos Oitavo e Nono Passos. Favorece a prática das Oitava e Nona Tradições. 

Bibliografia: 

1 - James W. - "As Variedades da Experiência Religiosa". CULTRIX - 1995. 337p. 

Nota: O livro citado, escrito pelo Psicólogo, Filósofo William James (1842 - 1910) serviu como uma das bases a William Griffith Wilson - Bill W. (1895-1971) e Dr.Robert Holbrook Smith - Dr. Bob (1879 - 1950) para Fundarem Alcoólicos Anônimos - A. A. dia 10-06-35: data em que Dr. Bob bebeu pela última vez.

2 - Livro "Alcoólicos Anônimos" - Edição comemorativa - luxo - 50 anos de A. A. no Brasil - Nov. 1996

3 - Correa de Sá Cândida C. - "Crônicas de uma Caminhada" Edição do autor 2.000 

* Ciclo das Doze Tradições - outubro de 2003 - Leopoldina - MG 

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