A
Oração da Serenidade
por
Jonathan Morris*
(…)
Em várias ocasiões essa oração foi atribuída a uma enorme
variedade de pessoas, desde Tomás de Aquino até Cícero, de Santo
Agostinho até Boécio, de Marco Aurélio até São Francisco de
Assis. Na verdade, porém, ela tem uma origem muito mais humilde e
recente. Foi escrita — ou pelo menos popularizada — no século XX
pelo teólogo protestante Reinhold Niebuhr. Várias formas foram
adotadas, mas ela se resume a três simples súplicas:
Concedei-me,
Senhor, a serenidade necessária
para aceitar as coisas que não posso modificar,
coragem
para aceitar as que posso
e
sabedoria para distinguir umas das outras.
Quando
encontrei essa oração pela primeira vez, muitos anos atrás, ela
chamou minha atenção, mas
não pensei muito sobre o assunto. Parecia
um pouco banal, algo que
poderia ser visto em um cartaz motivacional, tendo ao lado fotos de
corredores, pandas, pores do
sol, halterofilistas ou cachoeiras.
Foi
preciso participar de uma reunião aberta dos Alcoólicos Anônimos
para descobrir que a Oração da Serenidade é muito mais profunda
do que minha alma tinha estado disposta a reconhecer. Em meu orgulho
e imaturidade eu tinha confundido simplicidade com superficialidade,
e o universal com clichê. Em
um dia quente de agosto, na cafeteria do porão de uma escola
primária fechada, testemunhei homens e mulheres alquebrados rezarem
a Oração da Serenidade como eu mesmo desejaria fazê-lo. Sentados
em carteiras de madeira feitas para crianças com metade do seu
tamanho, cristãos e não cristãos recitavam de cor as palavras que
tinham feito suas. Era uma
oração porque era um diálogo importante, honesto e corajoso com
Deus. Era um grito tranquilo
na escuridão de sua própria insuficiência para um poder maior a
quem eles tinham ligado sua vontade e suas esperanças. Era
o ato mais puro e mais
genuíno de entrega à vontade de Deus que eu jamais havia
testemunhado. Sua oração
não era especialmente bonita ou clara; era verdadeira e realista.
Era o oposto de uma pomposidade religiosa; era íntima, existencial e
totalmente indiferente a qualquer elogio ou crítica externa. Era uma
oração sincera e simples.
Quando
comecei a estudar e a orar os elementos da Oração da Serenidade e
os motivos pelos quais ela era tão popular, percebi que essa simples
oração poderia se tornar uma parte importante de minha vida
espiritual cotidiana.
Por
quê? Em primeiro lugar, sua
simplicidade é irresistível. Orações
mais longas também podem ser bonitas e têm o seu lugar. — Penso
nas orações litúrgicas antigas, tão cheias de tradição e de
significados teológicos, atraindo-nos para o mistério da existência
de Deus. Mas há algo terno e
eminentemente prático nessa oração que qualquer um de nós poderia
ter escrito, em dezenas de ocasiões, como resposta a um dilema
pessoal. A Oração da
Serenidade é um lamento
confiante do espírito; é um pedido de ajuda confiante.
Intuitivamente
sentimos nessa oração a verdade do elogio frequente que Jesus fazia
às crianças e a necessidade de sermos como crianças em nossa
espiritualidade. Nós complicamos as coisas muito rapidamente! À
medida que nossas mentes ficam nubladas, nossas orações ficam mais
longas; então nos cansamos e deixamos de rezar. Mas,
uma vez mais, não foi Jesus quem encorajou seus discípulos a serem
breves em suas orações? Com
toda sinceridade, duvido que Deus se impressione com a elegância de
nossas palavras ou com a sintaxe perfeita de nossas orações, se
nelas desejamos nos parecer ou sentir inteligentes ou piedosos, ou na
esperança de que um conjunto perfeito de palavras irá magicamente
obter aquilo que queremos. A
oração consiste em nos desnudarmos diante daquele
que vê a nudez de nossa alma, com toda a pecaminosidade e bondade, e
que responde ajudando-nos a tirar nossas viseiras para
vermos a nós mesmos e os outros através de Seus olhos.
Um
segundo fator que torna a Oração da Serenidade tão poderosa é a
importância do dom que pedimos a Deus quando a
recitamos: a paz da alma ou
serenidade. Estamos pedindo a Deus que substitua
nosso estresse por um coração tranquilo. O
estresse pode destruir nossas vidas se o permitirmos; nós o sentimos
em nosso sangue quando ele está nos dominando. Tudo
começa com uma pequena preocupação, que se transforma em
ansiedade, e pouco tempo depois estamos
envolvidos no medo. Na Oraçao
da Serenidade pedimos a Deus que inunde cada fibra de nosso ser
ansioso com sua
paz.
Há
momentos em que
a ideia de serenidade cotidiana me parece inatingível. Como
tantos outros, tenho vários empregos (ministérios) que exigem minha
atenção, e a cada ano que passa “parece que meu prato fica mais
cheio”. As consequências
do insucesso passam a ser
maiores. Mais trabalho significa mais responsabilidade, e mais
responsabilidade significa mais problemas. Com
a vida tão repleta de tarefas eu não poderia simplesmente descrever
meu cotidiano como sereno. No entanto, como tenho certeza de que
todos nós já sentimos um momento ou outro, com atitude mental
correta e com a graça de Deus é possível estar tranquilo, mesmo no
meio de um turbilhão de
atividades. Essa é a alma
tranquila que a Oração da Serenidade procura.
Um
terceiro motivo pelo qual a
Oração da Serenidade
pode transformar nossas vidas é que ela nos lembra
de outra verdade importante: Deus quer que sejamos serenos. Com toda
razão ficamos horrorizados com a ideia de um Deus que está apenas
interessado
em estabelecer regras e nos manter na linha. Essa
visão errônea de Deus como um policial é especialmente repulsiva
porque sabemos que não somos lá muito bons em seguir todas as
regras. Mas, de maneira
oposta, falar com um Deus que deseja que tenhamos uma alma tranquila
– algo pelo qual naturalmente ansiamos – nos lembra que Ele está
ao nosso lado. Esse é o Deus
da Oração da Serenidade. Suas simples súplicas apontam para um
Deus que nos ama, que deseja que sejamos felizes e que nos ajuda a
nos tornarmos melhores.
Todas
as pessoas abandonam a religião porque, à
medida que a vida vai progredindo, as exigências do relacionamento
com Deus e a Igreja
parecem grandes demais para serem suportadas.
Embora o cristianismo nos
ensine que Deus é amor, às vezes quando a Igreja (inclusive eu!)
começa a explicar o que isso significa para nós na prática, a
verdade central é perdida ou substituída por outras noções menos
importantes. Concentramo-nos naquilo que a fé pode exigir de nós se
nos entregarmos totalmente a isso, e não ao Pai amoroso que abre
seus braços para nós.
Finalmente,
há outra qualidade na Oração da Serenidade que a torna especial. É
uma súplica para que Deus nos dê a graça de fazer nossa parte, em
vez de assumi-la e fazer tudo sozinho. É
assim que deve ser, de uma maneira mais humana. E geralmente
é dessa maneira que Deus intervem nos negócios humanos. Você
se lembra de ter se sentido
desconfortável ao pedir a Deus
para que o ajudasse a sair bem em uma prova para a qual não havia
estudado? Esse é um
sentimento justificável porque Deus nos deu uma mente e uma vontade,
e agimos com ingratidão quando deixamos de usar os dons que Ele nos
deu e simplesmente pedimos sua ajuda. Já
na Oração da Serenidade pedimos pelo milagre da serenidade no meio
da confusão, mas ao mesmo
tempo prometemos a Deus que tentaremos (1) aceitar aquilo que não
podemos modificar, (2) agir com coragem para modificar o que podemos
e (3) usar nossas mentes para distinguir entre aquilo que podemos e
aquilo que não podemos modificar. Isso
é uma colaboração significativa para com a
graça de Deus.
Cada
uma das três
grandes virtudes que solicitamos nessa oração – serenidade,
coragem e sabedoria – vem acompanhada de um preço. Nós
as pedimos, mas também trabalhamos por elas e dependemos da graça
de Deus para nos orientar ao longo do caminho.
O milagre que pedimos é a
graça de fazer aquilo que sem ela não seríamos capazes. Por
mais poderosos que possamos nos sentir na era moderna, há
muitos aspectos de nossas vidas que nos fazem sentir estranhamente
impotentes. Todos os dias
encontro pessoas que se sentem presas em uma armadilha. Para algumas
é sua situação no trabalho (ou seu desemprego), para outras é seu
casamento ou sua família, e
outras, ainda, sentem-se presas pelas más escolhas que fizeram ou
simplesmente por suas próprias incapacidades
e fracassos. Não precisamos
ser jogados em uma cela para nos sentirmos presos. Podemos
construir nossa própria prisão e nos trancarmos nela se permitirmos
que condições insignificantes nos façam sentir impotentes e
vazios. Não é surpreendente
– e frustrante – ver
como, por um lado, a ciência nos permitiu dividir os átomos, mapear
o genoma humano e curar inúmeras doenças e, por outro lado, ainda
estarmos impelidos pelos defeitos de
nosso caráter! Deus quer nos
ver presos em uma armadilha?
De forma alguma! Ele quer nos
dar a graça de romper nossas correntes e sair da nossa prisão.
O
que mais amo
na Oração da Serenidade é que, quando
aprendemos a orá-la honestamente – não apenas repeti-la –,
somos forçados a pô-la em prática.
Com essa oração em nossos corações vamos aprendendo a discernir
aquilo com que podemos contribuir (as coisas que não podemos
modificar). Pedimos serenidade, coragem e sabedoria, trabalhando para
obtê-las. (...)
A
Oração da Serenidade
– Jonathan Morris – Tradução de Vera Joscelyne,
pgs. 10 a 15. —
VOZES
— NOBILIS (2018).
O
autor: JONATHAN
MORRIS é padre católico na
Arquidiocese de Nova York, consultor para o Canal Fox News e diretor
de programas do Canal Católico
na Sirius XM e no ministério do campus da
Universidade de Columbia. É
autor de várias obras de espiritualidade.
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