terça-feira, 5 de novembro de 2019

Oração da Serenidade - comentário




A Oração da Serenidade
por Jonathan Morris*

(…) Em várias ocasiões essa oração foi atribuída a uma enorme variedade de pessoas, desde Tomás de Aquino até Cícero, de Santo Agostinho até Boécio, de Marco Aurélio até São Francisco de Assis. Na verdade, porém, ela tem uma origem muito mais humilde e recente. Foi escrita — ou pelo menos popularizada — no século XX pelo teólogo protestante Reinhold Niebuhr. Várias formas foram adotadas, mas ela se resume a três simples súplicas:

Concedei-me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar,
coragem para aceitar as que posso
e sabedoria para distinguir umas das outras.

Quando encontrei essa oração pela primeira vez, muitos anos atrás, ela chamou minha atenção, mas não pensei muito sobre o assunto. Parecia um pouco banal, algo que poderia ser visto em um cartaz motivacional, tendo ao lado fotos de corredores, pandas, pores do sol, halterofilistas ou cachoeiras.
   Foi preciso participar de uma reunião aberta dos Alcoólicos Anônimos para descobrir que a Oração da Serenidade é muito mais profunda do que minha alma tinha estado disposta a reconhecer. Em meu orgulho e imaturidade eu tinha confundido simplicidade com superficialidade, e o universal com clichê. Em um dia quente de agosto, na cafeteria do porão de uma escola primária fechada, testemunhei homens e mulheres alquebrados rezarem a Oração da Serenidade como eu mesmo desejaria fazê-lo. Sentados em carteiras de madeira feitas para crianças com metade do seu tamanho, cristãos e não cristãos recitavam de cor as palavras que tinham feito suas. Era uma oração porque era um diálogo importante, honesto e corajoso com Deus. Era um grito tranquilo na escuridão de sua própria insuficiência para um poder maior a quem eles tinham ligado sua vontade e suas esperanças. Era o ato mais puro e mais genuíno de entrega à vontade de Deus que eu jamais havia testemunhado. Sua oração não era especialmente bonita ou clara; era verdadeira e realista. Era o oposto de uma pomposidade religiosa; era íntima, existencial e totalmente indiferente a qualquer elogio ou crítica externa. Era uma oração sincera e simples.
   Quando comecei a estudar e a orar os elementos da Oração da Serenidade e os motivos pelos quais ela era tão popular, percebi que essa simples oração poderia se tornar uma parte importante de minha vida espiritual cotidiana.
   Por quê? Em primeiro lugar, sua simplicidade é irresistível. Orações mais longas também podem ser bonitas e têm o seu lugar. — Penso nas orações litúrgicas antigas, tão cheias de tradição e de significados teológicos, atraindo-nos para o mistério da existência de Deus. Mas há algo terno e eminentemente prático nessa oração que qualquer um de nós poderia ter escrito, em dezenas de ocasiões, como resposta a um dilema pessoal. A Oração da Serenidade é um lamento confiante do espírito; é um pedido de ajuda confiante.
   Intuitivamente sentimos nessa oração a verdade do elogio frequente que Jesus fazia às crianças e a necessidade de sermos como crianças em nossa espiritualidade. Nós complicamos as coisas muito rapidamente! À medida que nossas mentes ficam nubladas, nossas orações ficam mais longas; então nos cansamos e deixamos de rezar. Mas, uma vez mais, não foi Jesus quem encorajou seus discípulos a serem breves em suas orações? Com toda sinceridade, duvido que Deus se impressione com a elegância de nossas palavras ou com a sintaxe perfeita de nossas orações, se nelas desejamos nos parecer ou sentir inteligentes ou piedosos, ou na esperança de que um conjunto perfeito de palavras irá magicamente obter aquilo que queremos. A oração consiste em nos desnudarmos diante daquele que vê a nudez de nossa alma, com toda a pecaminosidade e bondade, e que responde ajudando-nos a tirar nossas viseiras para vermos a nós mesmos e os outros através de Seus olhos.
   Um segundo fator que torna a Oração da Serenidade tão poderosa é a importância do dom que pedimos a Deus quando a recitamos: a paz da alma ou serenidade. Estamos pedindo a Deus que substitua nosso estresse por um coração tranquilo. O estresse pode destruir nossas vidas se o permitirmos; nós o sentimos em nosso sangue quando ele está nos dominando. Tudo começa com uma pequena preocupação, que se transforma em ansiedade, e pouco tempo depois estamos envolvidos no medo. Na Oraçao da Serenidade pedimos a Deus que inunde cada fibra de nosso ser ansioso com sua paz.
   Há momentos em que a ideia de serenidade cotidiana me parece inatingível. Como tantos outros, tenho vários empregos (ministérios) que exigem minha atenção, e a cada ano que passa “parece que meu prato fica mais cheio”. As consequências do insucesso passam a ser maiores. Mais trabalho significa mais responsabilidade, e mais responsabilidade significa mais problemas. Com a vida tão repleta de tarefas eu não poderia simplesmente descrever meu cotidiano como sereno. No entanto, como tenho certeza de que todos nós já sentimos um momento ou outro, com atitude mental correta e com a graça de Deus é possível estar tranquilo, mesmo no meio de um turbilhão de atividades. Essa é a alma tranquila que a Oração da Serenidade procura.
   Um terceiro motivo pelo qual a Oração da Serenidade pode transformar nossas vidas é que ela nos lembra de outra verdade importante: Deus quer que sejamos serenos. Com toda razão ficamos horrorizados com a ideia de um Deus que está apenas interessado em estabelecer regras e nos manter na linha. Essa visão errônea de Deus como um policial é especialmente repulsiva porque sabemos que não somos lá muito bons em seguir todas as regras. Mas, de maneira oposta, falar com um Deus que deseja que tenhamos uma alma tranquila – algo pelo qual naturalmente ansiamos – nos lembra que Ele está ao nosso lado. Esse é o Deus da Oração da Serenidade. Suas simples súplicas apontam para um Deus que nos ama, que deseja que sejamos felizes e que nos ajuda a nos tornarmos melhores.
   Todas as pessoas abandonam a religião porque, à medida que a vida vai progredindo, as exigências do relacionamento com Deus e a Igreja parecem grandes demais para serem suportadas. Embora o cristianismo nos ensine que Deus é amor, às vezes quando a Igreja (inclusive eu!) começa a explicar o que isso significa para nós na prática, a verdade central é perdida ou substituída por outras noções menos importantes. Concentramo-nos naquilo que a fé pode exigir de nós se nos entregarmos totalmente a isso, e não ao Pai amoroso que abre seus braços para nós.
   Finalmente, há outra qualidade na Oração da Serenidade que a torna especial. É uma súplica para que Deus nos dê a graça de fazer nossa parte, em vez de assumi-la e fazer tudo sozinho. É assim que deve ser, de uma maneira mais humana. E geralmente é dessa maneira que Deus intervem nos negócios humanos. Você se lembra de ter se sentido desconfortável ao pedir a Deus para que o ajudasse a sair bem em uma prova para a qual não havia estudado? Esse é um sentimento justificável porque Deus nos deu uma mente e uma vontade, e agimos com ingratidão quando deixamos de usar os dons que Ele nos deu e simplesmente pedimos sua ajuda. Já na Oração da Serenidade pedimos pelo milagre da serenidade no meio da confusão, mas ao mesmo tempo prometemos a Deus que tentaremos (1) aceitar aquilo que não podemos modificar, (2) agir com coragem para modificar o que podemos e (3) usar nossas mentes para distinguir entre aquilo que podemos e aquilo que não podemos modificar. Isso é uma colaboração significativa para com a graça de Deus.
   Cada uma das três grandes virtudes que solicitamos nessa oração – serenidade, coragem e sabedoria – vem acompanhada de um preço. Nós as pedimos, mas também trabalhamos por elas e dependemos da graça de Deus para nos orientar ao longo do caminho. O milagre que pedimos é a graça de fazer aquilo que sem ela não seríamos capazes. Por mais poderosos que possamos nos sentir na era moderna, há muitos aspectos de nossas vidas que nos fazem sentir estranhamente impotentes. Todos os dias encontro pessoas que se sentem presas em uma armadilha. Para algumas é sua situação no trabalho (ou seu desemprego), para outras é seu casamento ou sua família, e outras, ainda, sentem-se presas pelas más escolhas que fizeram ou simplesmente por suas próprias incapacidades e fracassos. Não precisamos ser jogados em uma cela para nos sentirmos presos. Podemos construir nossa própria prisão e nos trancarmos nela se permitirmos que condições insignificantes nos façam sentir impotentes e vazios. Não é surpreendente – e frustrante – ver como, por um lado, a ciência nos permitiu dividir os átomos, mapear o genoma humano e curar inúmeras doenças e, por outro lado, ainda estarmos impelidos pelos defeitos de nosso caráter! Deus quer nos ver presos em uma armadilha? De forma alguma! Ele quer nos dar a graça de romper nossas correntes e sair da nossa prisão.
   O que mais amo na Oração da Serenidade é que, quando aprendemos a orá-la honestamente – não apenas repeti-la –, somos forçados a pô-la em prática. Com essa oração em nossos corações vamos aprendendo a discernir aquilo com que podemos contribuir (as coisas que não podemos modificar). Pedimos serenidade, coragem e sabedoria, trabalhando para obtê-las. (...)

A Oração da Serenidade – Jonathan Morris – Tradução de Vera Joscelyne, pgs. 10 a 15. VOZES — NOBILIS (2018).
O autor: JONATHAN MORRIS é padre católico na Arquidiocese de Nova York, consultor para o Canal Fox News e diretor de programas do Canal Católico na Sirius XM e no ministério do campus da Universidade de Columbia. É autor de várias obras de espiritualidade.


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